Descartes sonhou com o Espírito da Verdade

Por J. Herculano Pires

Na noite de 10 para 11 de novembro de 1619, Descartes, então jovem soldado acampado em Ulm, na Alemanha, sentiu-se tomado por intensas agitações. Seu amigo, biógrafo e correspondente, o Abade Baillet, diria mais tarde que ele “entregou-se a uma espécie de entusiasmo, dispondo de tal maneira do seu espírito já cansado, que o pôs em estado de receber as impressões dos sonhos e das visões”.

De fato, Descartes, que se preocupava demasiado com a incer- teza dos conhecimentos humanos, transmitidos tradicionalmente, deitou-se para dormir e teve nada menos de três sonhos, que con- siderou bastante significativos. A importância desses sonhos não foi até hoje apreciada pelos historiadores e pelos intérpretes do filósofo. Mas Descartes declarou que eles lhe haviam revelado “os fundamentos da ciência admirável”, uma espécie de conhecimento universal, válido para todos os homens e em todos os tempos. Essa ciência não seria elaborada apenas por ele, pois tratava-se de “uma obra imensa, que não poderia ser feita por um só”.

Descartes sentiu-se de tal maneira empolgado pelos sonhos que acreditou haver sido inspirado pelo Espírito da Verdade. Pediu a Deus que o amparasse, que lhe desse forças para realizar a tarefa que lhe cabia. E desse episódio originou-se toda a sua obra, que abriu os caminhos da ciência moderna.

Não tinha ele, nessa ocasião, mais do que 23 anos. Dezoito anos depois lançou o Discurso do método, que rasgaria os novos caminhos da ciência. Seu trabalho prosseguiria com outros pensadores livres e se completaria com a dedicação de Kardec.

Descartes mergulhou em si mesmo, negando toda a realidade material, inclusive a do próprio corpo, na procura de alguma realida- de positiva, que se afirmasse por si mesma, de maneira indubitável. Foi então que descobriu a realidade inegável do espírito, proclamando, no limiar da nova era: Cógito, ergo sum, ou seja: “Penso, logo existo.” Descobre no fundo do cógito, no seu próprio pensamento, a realidade suprema de Deus. A chamada revolução cartesiana foi precursora da revolução espírita. A ciência admirável de Descartes é a mesma ciência espiritual de Kardec, ainda em desenvolvimento, por muito tempo, em nosso planeta.

Em O espírito e o tempo, Herculano Pires, Ed. Paideia. 

Publicado no jornal Correio Fraterno, set/out de 2010  edição 435