O impulso de Leopoldo Cirne ao movimento espírita

Por Rita Cirne*

A Federação Espírita Brasileira e o próprio movimento espírita devem muito a Leopoldo Cirne. Foi com ele que a entidade se estruturou na criação de cursos das obras básicas de Allan Kardec e se consolidou como uma organização federativa. Esse pioneiro do movimento espírita brasileiro, com visão à frente do seu tempo, conheceu e teve uma sólida amizade com Bezerra de Menezes. Antes mesmo de completar 28 anos, em 1898, se candidatou e foi eleito vice-presidente da FEB na chapa que elegeu Bezerra de Menezes como presidente. Os dois tinham o propósito de pacificar os ânimos das diversas correntes espíritas da época e trabalhar para a união e cooperação em torno de um ideal maior, que segundo ele era a divulgação do espiritismo.

Com a desencarnação de Bezerra de Menezes, em 1900, Cirne acabou assumindo a presidência da FEB e fez com que essa instituição se firmasse como uma organização federativa. Ele reuniu representantes de diversos centros espíritas do Rio de Janeiro e de outros estados num trabalho que originou o programa de unificação, chamado de Bases de Organização Espírita, em 1º de outubro 1904. Três dias depois, a FEB promovia o I Congresso Espírita, em homenagem ao centenário do nascimento de Alan Kardec, com a participação de duas mil pessoas.

Durante sua gestão, também foi instituído o estudo das obras completas de Allan Kardec como referência básica da instituição. Mesmo depois que saiu da presidência, continuou estimulando a realização de reuniões de estudos, no lugar de simples conferências. Empreendedor, se empenhou na promoção do esperanto na FEB e no movimento espírita, movido pelo ideal de que uma língua comum e alternativa pudesse aproximar todos os povos. Também apoiou as primeiras iniciativas voltadas à evangelização na infância. Ele presidiu a entidade por 14 anos – de 1900 a 1914 – e foi o responsável pela construção e inauguração da sua sede no Rio de Janeiro, em 1911.

Encontro com o espiritismo

Leopoldo Cirne nasceu em João Pessoa, na Paraíba, em 13 de abril de 1870, e ainda moço se mudou para o Recife, PE. Depois, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, então capital da República, trabalhando no comércio e como jornalista. Aqueles que o conheceram diziam ser um autodidata. Desde jovem demonstrava precoce genialidade e gosto pelos estudos, mas precisou abdicar da escola para assumir obrigações financeiras. Foi no Rio que conheceu a doutrina espírita à qual aderiu de imediato, como se já a conhecesse, e para a qual passou a contribuir ativamente. Filiou-se a grupos de estudos e de divulgação, e foi um dos mais reconhecidos articulistas da revista Reformador.

Segundo o pesquisador e escritor espírita Canuto Abreu, durante vinte anos, o Reformador teve em Leopoldo Cirne uma pena de mestre, tendo ele dedicado toda a sua mocidade à divulgação da filosofia que tanto o empolgara desde o primeiro instante.

Admirador da obra de Léon Denis, Cirne traduziu dois clássicos desse autor espírita: No invisível e Cristianismo e espiritismo, obras ainda hoje reeditadas pela FEB. “Cirne possuía o dom precioso de expositor da doutrina espírita e ele mais se afirmou, presidindo a FEB, como exímio pregador e instrutor notável”, dizia o pesquisador espírita Zêus Wantuil.

Além das obras que traduziu, escreveu os livros Memórias históricas do espiritismo, Doutrina e prática do espiritismo – livro que serviu de referência e inspiração para outras obras didáticas, de diversos estudiosos espíritas; A personalidade de Jesus, que trata do caráter missionário e os desdobramentos das realizações de Jesus, e Anticristo - senhor dos mundos, no qual ele trata das mais espinhosas questões inerentes ao movimento espírita e do cristianismo em geral, inclusive, historiando situações vividas na própria FEB depois de sua saída da entidade. Nesse livro, ele afirma que entende por ‘Anticristo’ uma força, também chamada de poder das trevas que age em “oposição, deliberada e sistematicamente, ao plano evolutivo traçado por Deus à humanidade”. Ele traça uma trajetória maligna que teria contaminado a Igreja Católica, a Reforma Protestante e demais poderes terrenos pelo espírito de ganância, anarquia e violência que estavam arruinando o progresso de nosso orbe.

Leopoldo Cirne desencarnou no Rio de Janeiro, RJ, no dia 31 de julho de 1941 e deixou a viúva Marieta Cirne, com quem não teve filhos.

Bibliografias

Leopoldo Cirne: Vida e propostas por um mundo melhor, Antônio Perri de Carvalho, CCDPE-ECM, 2024.

Site febnet.org.br

 

* Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra, em São Paulo, e do jornal Valor Econômico.