Irene Carvalho: da dúvida à entrega para o amor

Por Rita Cirne*

Em meados do século passado, quando alguém partia de Brasília para buscar uma orientação com o médium Chico Xavier em Uberaba, acabava sempre por ouvir: “Você veio de Brasília até aqui? Mas lá tem a Irene Carvalho”. A observação de Chico não surpreende a quem vive em Brasília e pôde conhecer a mediunidade de uma das fundadoras da extensa obra Comunhão Espírita de Brasília. 

Para descrever a capacidade mediúnica de Irene Carvalho, a palestrante e antiga trabalhadora da Comunhão Espírita, Mayse Braga, destaca que acompanhou de perto por muitos anos como Irene recebia psicografias, receituários, orientações que conduziram tantas pessoas que buscaram apoio na casa ao longo de décadas. Segundo Mayse, através da clarividência, Irene adentrava o passado, falava do presente e orientava sobre o futuro. “Eu presenciei inúmeros fatos envolvendo pessoas gravemente enfermas e que não sabiam.” Irene dizia com detalhes onde se localizava a enfermidade, as consequências e o porquê de sua existência. Há anos ela já dizia que muitos adoecimentos estavam profundamente relacionados às nossas emoções não resolvidas, às nossas dificuldades de afeto e de relacionamento, relembra Mayse. 

Infância sofrida: vozes, premonição, castigos

O despertar da mediunidade não foi fácil para a médium, nascida em 1922 em uma família evangélica que frequentava a igreja presbiteriana. Segundo conta em seu livro autobiográfico Memórias de um tempo, Irene foi criada por sua avó paterna depois de ter a mãe internada por problemas psíquicos. Seu pai já havia abandonado os seis filhos, permanecendo Irene mais dois irmãos com a avó. Por ouvir vozes, ver vultos e fazer premonições, a menina apanhava quase todo dia. E quanto mais orava, mais os fenômenos se intensificavam. 

Mais tarde, passou a receber orientações para que buscasse um centro espírita. Até mesmo uma psiquiatra em São Paulo lhe disse que não havia nenhuma doença mental, mas que deveria buscar uma casa espírita, o que só fazia aumentar-lhe ainda mais a resistência. 

Mesmo casando-se com Mário Carvalho, espírita dedicado, e tendo a oportunidade de ver espíritos com desejo de auxiliá-la, como Bezerra de Menezes – que mais tarde irá auxiliá-la na Comunhão –, ela resistia. Só se dobrou finalmente à tarefa que lhe aguardava no ano de 1962, ao ter a visão de inúmeros espíritos gritando por seu nome, pedindo por socorro. Ali entendeu que uma nova doutrina a convidava para servir. 

Atendimento espiritual, lar para crianças, teatro

As frentes de trabalho desenvolvidas na Comunhão Espírita foram muitas e sempre sob a orientação da espiritualidade superior, através da mediunidade de Irene, que contava sempre com o apoio e o entusiasmo de seu marido Mário. Sob orientação de Chico Xavier, iniciaram o atendimento espiritual diário às pessoas necessitadas. Durante a construção da sede própria do centro, fundado em 1961, a cada etapa concluída visitavam o médium em Uberaba, de quem recebiam novas orientações, ouvindo sempre sobre o futuro promissor da instituição.

Também foram orientados pelo espírito dr. Dias da Cruz a responderem por cartas sobre as enfermidades, confirmando diagnósticos, recomendando tratamentos médicos e espirituais, trabalho este que se realiza até hoje. O grupo também foi orientado através da mediunidade de Divaldo Franco para a criação do Nosso Lar, um local para o acolhimento provisório para crianças e adolescentes em medida de proteção, construído em 1973.

Outra frente de trabalho surgiu a partir de um sonho de Irene com o espírito Franco Leal, que a convidava a transcrever seus textos para o teatro, fazendo nascer assim o Teatro Espírita de Brasília no seio da Comunhão Espírita. Como resultado dessa parceria, Irene escreveu 36 peças, que foram encenadas e percorreram dezenas de cidades brasileiras. Forte e determinada, mesmo sem dinheiro, a médium partia para montar o espetáculo e correr atrás de patrocínio para garantir o lanche e o figurino.

A personalidade marcante da médium também é exaltada por sua filha Sandra Carvalho. “Ela foi pautada por coragem, determinação e ousadia. O que ela queria, ia atrás: teatro, filho, defender um amigo. Quando hoje enfrento situações difíceis, penso no que ela faria se ela estivesse no meu lugar. Isso me impulsiona a seguir”.

Irene Carvalho se dedicou à Comunhão Espírita de Brasília até a sua desencarnação, em 1º de fevereiro de 2017, aos 94 anos, deixando como legado uma história linda de superação, de vontade de servir, de trabalho em equipe que fez da Comunhão Espírita de Brasília um dos maiores centros espíritas do Brasil na atualidade. 


Bibliografia

Memória de um tempo, Irene Carvalho, ed. Otimismo.

Documentário “Lembranças de Mário e Irene”, no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Y5JW01EvJzE

https://comunhaoespirita.org.br

* Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra, em São Paulo, e do jornal Valor Econômico.