O acaso na vida do escritor Viriato Correia

Por Izabel Vitusso

“Para aqueles que não creem, Deus nunca se apresenta a descoberto – toma sempre a forma de casualidade.” - Viriato Correia.

 No livro Escritores e fantasmas, o autor Jorge Rizzini1 traz diversas histórias que levaram personagens da literatura mundial a se curvarem diante da constatação da existência dos espíritos e da vida após a morte.

Uma delas conta o que aconteceu com o jornalista e escritor maranhense Viriato Correia (1884-1967), dono de uma inteligência e versatilidade que o fizeram uma personalidade de destaque, na política e na literatura, levando-o a ser inclusive membro da Academia Brasileira de Letras, em 1938. 

Denominando-se materialista e reconhecendo a dimensão do seu orgulho, Viriato conta uma das grandes experiências que lhe tocaram profundamente a alma e que foi motivada por um problema de saúde que o atormentava há anos, levando-o a viajar para tratamento, em busca das águas medicinais da Mantiqueira. 

Em situação delicada, acamado por mais de uma semana onde se hospedara, quando arrisca a se levantar e a sair do quarto, o escritor se encontra com um casal, que vem lhe perguntar sobre sua saúde. Lembra que outros hóspedes já haviam lhe dado atenção. Mas nenhum havia tocado seu coração daquela maneira. 

O escritor abre-se a falar sobre suas dores, sobre a sofrida viagem de trem que havia feito. Na conversa, o sr. Antônio Fonseca lembra a coincidência de estarem no mesmo trem e que, se soubesse, o teria auxiliado com passes, dizendo-se modestamente ser médium de cura.

Sem conhecimento sobre qualquer realidade a respeito do espiritismo, Viriato avalia a situação e, meio na descrença, lembra no diálogo que quando cálculos renais passam, as dores só se acalmam com fortes injeções de morfina. 

“Mas o poder de Deus deve ser maior que o das injeções” – retorna o inquirido Fonseca, com uma convicção e uma tranquilidade de impressionar, calcada na fé cheia de doçura e consistência. 

Fonseca vai lhe contando sobre a consolação que recebera depois de conhecer e trabalhar pela doutrina, sobre os novos horizontes que se abririam para ele. E todas as noites ministrava passes em Viriato, que melhorava dia a dia, embora continuasse movido pela descrença e tomado de imensa curiosidade por tudo o que experimentava naqueles dias. 

Já de volta ao Rio de Janeiro, depois de muito tempo, reviu o exemplar de O livro dos espíritos que recebera de Fonseca, com a recomendação de que conhecesse um pouco mais do espiritismo. 

Viriato passou pelo volume. Deu dois passos. Voltou e abriu o livro ao acaso: “É sempre sob a forma de acaso que Deus se apresenta aos incrédulos”, argumenta. Abriu justamente numa das páginas de mais alto interesse, aquela em que Kardec trata da volta à vida espiritual, da separação da alma e do corpo, da perturbação que acomete certos espíritos ao deixarem a existência terrena.

O escritor se põe a ler com intensidade, com a respiração opressa. Em literatura, sempre foram de seu gosto as páginas fortes, de cunho trágico, que se destacavam pela originalidade e pela extravagância. Mas página nenhuma o sacudira tanto como aquela. Nenhum livro o havia deixado tão forte sulco no seu espírito como aquele de Allan Kardec.

“O acaso sabia que, antes de tudo, devia inflamar-me a centelha da curiosidade, sabia que a minha curiosidade em leitura se inflama facilmente pelo ineditismo e pela novidade”, analisa o escritor. E completa:

“Os fenômenos das sessões práticas são às vezes de tal maneira impressionantes, que solidificam a convicção de que existe uma outra vida que não esta vida tangível em que nos arrastamos. Mas o que me fascinou foi a doutrina, pela magnitude de sua beleza, pela sua suprema doçura tonificadora das almas, pelo bálsamo infinito que derrama sobre as dores.”


  1. Escritores e fantasmas, ed. Correio Fraterno, 1ª ed. 1992.