Vazio existencial: a proposta espírita de conhecimento e consolo

Por Eliana Haddad

Diante de tristes cenários de guerras, de abusos ambientais, de exposição de dores morais que assustam e levam ao desânimo, um mundo de aflições e incertezas angustia e entristece a alma. 

Não é fácil enfrentar a realidade que se espelha diante dos nossos olhos todos os dias, principalmente para aqueles que não veem nada além dos limites da matéria. Essa visão estreita tem provocado a descrença e a indiferença, paralisando a vontade, como se anestesiando o que há de melhor no ser humano: o poder de realizar mudanças.

Têm sido alarmantes os dados da Organização Mundial de Saúde com relação ao aumento constante de uma população mergulhada em transtornos mentais. Estima-se, por exemplo, que mais de 300 milhões de pessoas sofram de depressão no mundo, sendo também ela uma das principais causas de suicídio, que ceifa a vida de jovens, idosos, homens, mulheres e crianças todos os dias. A impressão é que o mundo está de cabeça para baixo e que a defesa e o trabalho por um mundo melhor, regido por amor, justiça e paz, não passam de utopias de inocentes sonhadores.

Num cenário materialista de muita competição e pouca empatia, o vazio existencial tem levado muitas pessoas a desprezarem as inúmeras oportunidades de crescimento e valorização da vida, tão malbaratada pela falta de objetivo, de esperança, de coragem nas ações do presente e anseio por um futuro mais promissor.

Por que nos invade esse sentimento de vazio, de apatia, se a lei de conservação nos ensina que é divina a necessidade de viver? A vida nos foi concedida para que possamos trilhar os caminhos do progresso e Deus sempre nos possibilita os meios necessários para podermos viver. Isso se aplica às condições materiais, razão por que a Terra produz de modo a proporcionar o necessário aos que a habitam1.

O desequilíbrio estaria nos excessos, na ambição e no amor-próprio2, que geram ansiedade e frustração, como se a vida fosse um triste fardo a ser carregado. 

Os bens materiais 

É verdade que a vontade de viver está ligada inúmeras vezes a objetivos materiais, ao gozo dos bens da Terra. São atrativos pelos quais o homem também é experimentado para o uso da razão, a fim de não ser arrastado para o abuso, o supérfluo que cedo ou tarde acaba por infelicitá-lo. Afinal, são tesouros perecíveis, como castelos de areia, que podem se desfazer e desaparecer a qualquer tempo ou ainda excitá-lo e escravizá-lo ao apego, ao egoísmo, à vaidade, ao orgulho.

Explica a pergunta 714 de O livro dos espíritos que o homem que procura nos excessos o requinte do gozo coloca-se abaixo do animal, pois que este sabe deter-se, quando satisfeita a sua necessidade. Isso não quer dizer que mereça censura o homem por procurar o bem-estar. “Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação. Ele não condena a procura do bem-estar, desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.” A felicidade, porém, vai muito além das satisfações físicas.

Algo além do corpo

O sentido da vida muda quando se considera a existência da alma, admitindo-se que há algo além do corpo que sobrevive, que traz e leva consigo suas experiências felizes e dolorosas. Que o mundo pode até ser destruído, mas nossa essência sobreviverá para continuar sua jornada. E aí está o ponto de partida da doutrina espírita, pois, de posse desse conhecimento, a busca do homem será pelo alcance de sua perfectibilidade, pelo enfrentamento dos desafios, pelas vitórias espirituais que necessitam da esperança, sustentada pela certeza da fé no futuro. 

Também a dor passa a ser compreendida de outro modo. Na visão que leva em conta o espírito como causa, ela é temporária, tem papel educativo, como parte da lei maior, a do Amor, que é justa e misericordiosa ao compreender o estágio evolutivo em que nos encontramos e os esforços que fazemos para sermos melhores na escola infinita de diversas moradas. 

Isso levado em conta traz a paz interior e não se pode esquecer que nunca estamos sozinhos, que a lei divina, além de nos oferecer oportunidades de crescimento todos os dias, ainda nos disponibiliza a ajuda necessária sempre que estabelecermos sintonia espiritual através da prece. 

Não há vazio para quem compreende a existência como um processo que continua além da morte, apenas o fim do corpo na vida terrena. Sabe que o Reino de Deus, prometido por Jesus, está sempre por se fazer em nós e por nós. Entende que o bem e a felicidade nunca serão coisas hipotéticas a serem alcançadas num mundo externo, mas no caminho de idas e vindas da vida, entre o conhecimento e o sentimento, entre a razão e o coração, sempre dentro de nós. Daí a razão para o bom-ânimo, para persistir no Bem, reconhecendo-se o imenso valor da responsabilidade que está nas próprias mãos.

Uma orientação de São Luís, em 1860, explica muito bem a importância de cada segundo da vida no corpo físico, até o último suspiro, não havendo, portanto, o menor sentido em considerá-la vazia em momento algum, nem mesmo para o moribundo. “O materialista, que apenas vê o corpo e em nenhuma conta tem a alma, é inapto a compreender essas coisas; o espírita, porém, que já sabe o que se passa no além-túmulo, conhece o valor de um último pensamento. Minorai os derradeiros sofrimentos, quanto o puderdes; mas, guardai-vos de abreviar a vida, ainda que de um minuto, porque esse minuto pode evitar muitas lágrimas no futuro”, orienta.

O papel da fé

Outro ponto importante, se não o principal, é o desenvolvimento da fé. Em O evangelho segundo o espiritismo, no capítulo “A fé que transporta montanhas”, explica-se que o homem, confiando nas suas próprias forças, torna-se capaz de executar coisas materiais, que não consegue fazer quem duvida de si. Mas acrescenta que essa máxima deve ser compreendida em seu sentido moral. Assim, as montanhas que a fé deslocaria seriam as dificuldades, as resistências, a má vontade. “O interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas são outras tantas montanhas que barram o caminho a quem trabalha pelo progresso da humanidade”. 

Quando prevalece o sentimento de vazio na vida, fecham-se as portas para a esperança e a fé. Afinal, há diferença entre a fé vacilante, que provoca incerteza e hesitação, e a fé robusta, que dá a perseverança, a energia e os recursos que possibilitam vencer os obstáculos. A fé que se sustenta na certeza da vida futura e no fato de que as boas ações de hoje, ainda que enfrentando momentos de sofrimento, são garantias de uma vida melhor, recheiam a vida de bom-ânimo e paz de consciência. “A fé necessita de uma base, base que é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. E, para crer, não basta ver; é preciso, sobretudo, compreender”, explicou Kardec em O evangelho sobre as condições para uma fé inabalável, a que pode encarar de frente a razão em todas as épocas da humanidade.

O entendimento sobre o lado espiritual da vida é um poderoso antídoto contra o vazio existencial. O espiritismo mostra que é justamente o dogma da fé cega que produz o maior número dos incrédulos. “Ela pretende impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio”, destaca Kardec, acrescentando que ao não admitir provas, ela deixa no espírito alguma coisa de vago, que dá nascimento à dúvida”, assinala.

A certeza do progresso

Não há vazio existencial quando há compreensão de que se está construindo um caminho rumo ao amor, à paz, à felicidade, e que o progresso é inevitável.

Já explicaram os espíritos que o progresso é uma condição da natureza humana e que o homem não pode se opor a ele. “É uma força viva, cuja ação pode ser retardada, porém não anulada”.

Ensina o espiritismo que o homem não pode conservar-se indefinidamente na ignorância, porque tem de atingir a finalidade que a Providência lhe assinalou: “Ele se esclarece pela força das coisas. As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas ideias pouco a pouco; dormitam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades novas e com as novas aspirações”.
Assim é a sabedoria dos desígnios da Providência, que do mal faz sair o bem, ainda que se insista no orgulho e no egoísmo, os maiores obstáculos ao progresso moral. Pouco a pouco serão eliminados, conforme o entendimento de quão prejudiciais são para a felicidade. Destruindo o materialismo, o espiritismo fará com que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. 

Disse Kardec em sua viagem a Lyon e Bordeaux, em 1862 3, que embora o homem tenha progredido do ponto de vista moral, deve-se convir que esse progresso se realizou principalmente no sentido intelectual. Isso porque a moral e a inteligência raramente caminham lado a lado. “O homem chegou a um período em que as ciências, as artes e a indústria atingiram um limite até hoje desconhecido; se os gozos que delas tira satisfazem à vida material, deixam um vazio na alma; o homem aspira a algo melhor: sonha com melhores instituições; quer a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para todos”, disse em um de seus discursos aos espíritas da época.
Como se dará isto? Quando o egoísmo for destruído. Como destruí-lo? Quando houver a predominância do sentimento do amor, que leva os homens a se tratarem como irmãos e não como inimigos. Daí a caridade ser a base, a pedra angular de todo o edifício social. “Sem ela o homem só construirá sobre a areia”, disse Kardec, assinalando, em O espiritismo em sua mais simples expressão, que “o espiritismo adoça a amargura das tristezas da vida; acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os terrores do futuro”.

Um espírito entediado
Em O céu e o inferno, Kardec relata a história de um espírito aborrecido, que se manifesta pedindo preces por estar cansado de vagar sem objetivo. Há 180 anos aproximadamente. Respondendo que não havia feito nada de bom na Terra, explica que uma vida extinta na Terra deixa, ao espírito que não a aproveitou, o que o fogo deixa ao papel que consumiu: fagulhas, que são a lembrança dos laços terrestres que percorrem o espírito até que ele tenha dispersado as cinzas de seu corpo. Somente então ele se reencontra, essência etérea, e deseja o progresso. “O tédio é o filho da ociosidade; eu não soube empregar os longos anos que passei na Terra, sua consequência se faz sentir em nosso mundo”, confessa.

O guia do médium então esclarece que o trabalho da inteligência é que o cansava agora, pois era um desocupado do mundo dos espíritos como o foi do mundo terrestre e que havia sido trazido à reunião para se tentar tirá-lo da apatia, do tédio, “um verdadeiro sofrimento, por vezes mais penoso do que os sofrimentos agudos, pois ele pode prolongar-se indefinidamente, trazendo uma perspectiva de um tédio sem fim”.

Explica também que “a maioria dos espíritos dessa categoria busca uma existência terrestre apenas como distração e para romper a insuportável monotonia de sua existência espiritual; assim chegam muitas vezes sem resoluções tomadas para o bem, é por isso que devem recomeçar até que, enfim, o progresso real se faça sentir neles”.

1 O livro dos espíritos, Allan Kardec, perg.704.

2 O livro dos espíritos, Allan Kardec, perg.707.

3 Viagem espírita em 1862 e outras viagens de Kardec, FEB, 2005.