Kardec inventor?

Por Adriano Calsone*

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No segundo semestre de 1853, o professor Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec), já com seus 49 anos de idade, dirigiu-se à secretaria da prefeitura do departamento do Sena, em Paris, para requerer patente de algo que havia criado: um curioso vaso-sifão móvel para escoamento de água de resíduos, tanto para casas como para as ruas das cidades francesas. Parte da explicação do que seria exatamente sua invenção consta na minuta manuscrita da requisição que ele redigiu com sua habitual concisão de professor: “uma aplicação móvel com tubos de vidro para o escoamento das águas residuais domésticas [...]”. 

De vidro? 

Isso mesmo!

Tal patente foi registrada tendo validade oficial de 15 anos, a partir de 24 de outubro de 1853, prazo que expiraria cinco meses antes de sua desencarnação, em 31 de março de 1869. O registro traz a descrição com pormenores: as dimensões das peças, o seu funcionamento, e revela o quanto Rivail possuía de conhecimentos técnicos, de engenharia civil, além da prática de montagem, testes e manutenção de dispositivos industriais bastante complexos para a época. 

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É possível que ele tenha se interessado pelo assunto pela oportunidade criada pela publicação de um decreto-lei que se abria no campo comercial a partir do aprimoramento maciço dos sistemas urbanos do saneamento parisiense que já existiam, mas que historicamente funcionavam bem mal. O decreto (nº 3914, de 26 de março de 1852) estabelecia, por exemplo, que “toda construção nova em uma rua com rede de esgoto deveria estar disposta de maneira a transportar água da chuva e água da casa [...]”

Rivail tenta convencer os examinadores da patente sobre a confiabilidade do dispositivo, que funcionaria com muito mais eficiência e praticidade que os já existentes no velho mercado parisiense: “basta levantar meu dispositivo, que chamarei de vaso-sifão móvel, para despejar seu conteúdo instantaneamente”, argumenta.

É possível crer que um dia a sua esposa, senhora Rivail (naquela época com 57 anos de idade), na condição de dona de casa, possa ter passado por problemas domésticos, pela deficiência no sistema externo de vazão de esgotos, cabendo ao marido, Rivail, a incumbência de solicitar ajuda dos órgãos competentes para a vistoria e substituição de pesadas peças hidráulicas do sistema residencial.

Os registros mostram que a inovação de invenção de Rivail estava na mobilidade, na proteção residencial, na facilidade de limpeza, acima de tudo, focada na aceitação e no sucesso do novo material sugerido: o vidro espesso para tubulações que evitaria recorrentes vazamentos em vias públicas, muito comuns pela oxidação das tubulações de ferro fundido.

Os desenhos técnicos das peças e dos conjuntos montados foram encontrados por duas pesquisadoras espíritas brasileiras no Instituto Nacional de Propriedade Industrial da França, em 2017. Tal achado significou uma contribuição para os acervos da história do espiritismo e seus pioneiros, revelando potenciais outros do professor Rivail, além dos já tão reconhecidos pelo público espírita na atualidade: suas habilidades técnicas, argumentativas e, porque não dizer, a de um desenhista técnico talentoso.


*Pesquisador e escritor espírita.

Disponível em: <http://bit.ly/2I8rMG0>