Ferreira Lima: o defensor das casas espíritas

07 recife.jpg

Por Rita Cirne*

Ferreira Lima.jpg

Hoje somos muitos espíritas no Brasil. Temos a liberdade de nos reunir, confraternizar e viver a doutrina em que acreditamos. Mas nem sempre foi assim. Já vivemos tempos de perseguição religiosa em nosso país, quando a própria Federação Espírita Brasileira chegou a ser fechada por três dias. Isso aconteceu em 1937, mas a perseguição foi mais ostensiva em alguns estados, como o de Pernambuco, e dentre os muitos espíritas que fizeram a diferença na defesa do espiritismo no Nordeste um nome se destaca, o de Antônio José Ferreira Lima.

Com sua palavra forte, convincente, que transmitia sentimento, ele atuou intensamente na divulgação da doutrina. Presidiu a Cruzada Espírita Pernambucana, a Liga Espírita Pernambucana e a Federação Espírita do Estado. Mas onde ele fez mesmo a diferença foi na luta contra a perseguição à doutrina, principalmente para consolidar os núcleos espíritas mais modestos junto às autoridades. 

Unir para fortalecer

Segundo o livro História da Liga Espírita de Pernambuco e cronologia dos acontecimentos da história do espiritismo em Pernambuco, de Paulo Francisco de Souza, durante o Estado Novo os dirigentes de centros espíritas tinham que se submeter a exames psicológicos ou psiquiátricos. Isso porque havia a teoria de que os espíritas eram doentes mentais. Mas essa fiscalização foi mais tolerante em relação aos centros localizados no centro de Recife, que continuaram funcionando e cujos dirigentes eram pessoas conceituadas no meio social, alguns exercendo cargos de projeção no governo.

No livro, Francisco de Souza conta que os dirigentes de centros menores, localizados na periferia, se reuniram e fundaram a Liga Espírita de Pernambuco, uma entidade para representá-los e defendê-los junto às autoridades, na tentativa de normalizar o funcionamento das instituições.

Como presidente da Liga, Ferreira Lima conseguiu remover uma a uma as exigências legais, inclusive o pagamento de taxa de licença de funcionamento instituída – a mesma cobrada das casas de diversão –, sensibilizando o secretário de segurança pública sobre a importância, a finalidade e os trabalhos realizados nas casas espíritas.

A busca pelo conhecimento

Filho de pais humílimos e sem instrução, Ferreira Lima foi um homem do povo. Nascido na cidade de Barreiros, em 1886, aos 13 anos já era o sustento da família. Começou a trabalhar como atendente em farmácia e depois como aprendiz de sapateiro. Trabalhava de dia e à noite dedicava-se aos estudos. Aos 20 anos, já versado em humanidades e estudioso da língua francesa, fundou um colégio, onde também lecionava, além de trabalhar nas docas do porto de Fortaleza e posteriormente iniciar carreira em órgãos de fiscalização em órgão público. 

Espírito ávido por conhecimento, dedicou-se profundamente aos estudos de legislação fazendária, fundou a revista Gazeta Fiscal e tornou-se uma das maiores autoridades do assunto no Norte e no Nordeste do Brasil. 

Encontro com o espiritismo

Ao se tornar espírita, em 1918, aos 32 anos, passou a dedicar-se à divulgação, dando palestras em instituições mais conceituadas aos mais humildes centros, também no Alagoas e Ceará. Chegou a organizar um Congresso Espírita em Pernambuco, ao qual compareceram representantes do espiritismo do Brasil e de vários outros países.

Em sua fala, mesmo no trabalho nas penitenciárias, junto aos detentos, lembrava sempre do princípio cristão de que qualquer desventura que atingisse o indivíduo era um episódio passageiro. 

Conhecido por sua capacidade de citar trechos inteiros depois de uma simples leitura, Ferreira Lima acabou criando uma extensa biblioteca, que ainda existe, reconhecida pela quantidade e qualidade de suas obras. Como autodidata, defendia a educação e dizia que todo educador devia integrar-se à missão de dirigir almas para o bem. Todo o conhecimento técnico, dizia ele, ou científico, deve ser um fator de aproximação dos homens entre si, dos homens com Deus. 

Espírito alegre e brincalhão, sempre pronto para desanuviar o sofrimento alheio, Ferreira Lima escreveu trabalhos de crítica literária, dentre eles um pequeno ensaio sobre o poeta Cruz e Souza, prefaciou o livro de Leopoldo Machado sobre espiritismo, encerrando a sua jornada nessa encarnação no Recife, PE, no dia 8 de março de 1947.

*Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra e do jornal Valor Econômico