Aécio Chagas: paixão pelo conhecimento, científico e espírita

Por Silvio Seno Chibeni*

“O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade na sua maior pureza.” Quando lemos a tocante página de Allan Kardec, no Evangelho segundo o espiritismo, que se inicia com essas palavras, e notando quão difícil é vivenciar em nós mesmos a lista de qualidades do homem de bem nela enumeradas, ficamos por vezes pensando que homens de bem virtualmente não existem ao nosso redor. Ledo engano. Em sua misericórdia, o Pai os coloca ao nosso lado, nos mais variados contextos, para que nos inspirem e orientem em nossa jornada. Dentre os vários que enriqueceram minha vida, está o amigo Aécio Pereira Chagas (1940-2022). Ele desencarnou em 11 de  junho, depois de difíceis provações, mas culminando uma vida plena de realizações no campo do bem, por onde quer que tenha passado: na família, no meio espírita, na academia.

Originário da então pequena cidade de Presidente Prudente, SP, Aécio transferiu-se para São Paulo no final dos anos 1950, para prosseguir em seus estudos. Ingressando na Universidade de São Paulo (USP), graduou-se em química e, em 1972, obteve o título de doutor. Alguns anos antes, foi convidado para integrar o corpo docente do Instituto de Química da Unicamp, então ainda em sua fase inicial de implantação. Nessa instituição desenvolveu sólida carreira acadêmica, até sua aposentadoria, e mesmo depois dela, na condição de professor titular colaborador voluntário. Entre outras atividades de gestão acadêmica, atuou como diretor do Instituto, num momento histórico particularmente delicado da universidade. 

Autor de numerosos artigos especializados, publicados em periódicos nacionais e do Exterior, bem como de diversos livros didáticos e de divulgação científica, foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências, integrando outras prestigiosas instituições acadêmicas, como a Sociedade Brasileira de Química, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Sociedade Portuguesa de Química e a Royal Society of Chemistry, de Londres.  

Imagem de 1996 do GEEU - Grupo de Estudos Espíritas da UNICAMP, incentivado pelo professor Aécio Chagas desde 1979 e ativo até hoje

Como espírita, Aécio também deixou indelével marca. Contribuiu de forma ininterrupta durante décadas em diversas atividades da seara espírita, especialmente no Grupo Espírita Casa do Caminho, de Campinas, onde coordenou reuniões públicas e grupos de estudo, inspirando a todos com seu exemplo de desinteressada dedicação, modéstia e generosidade. Durante várias gestões, dirigiu a creche Casa da Criança Meimei, associada a esse Grupo, exercendo ali, como antes na academia, administração equilibrada e eficiente, com inestimáveis benefícios a centenas de crianças e suas famílias. 

Aécio foi um apaixonado pelo cultivo e desenvolvimento do conhecimento espírita, tendo contribuído de forma muito substancial com seus originais, eruditos e instrutivos livros e artigos, publicados em alguns dos principais periódicos espíritas do país, como a revista Reformador, a Revista Internacional de Espiritismo e o jornal campineiro Alavanca. Dentre os seus livros merece especial destaque o Introdução à ciência espírita, cuja primeira edição é de 2004. Esse livro sintetiza muitas das análises feitas por Aécio em seus artigos dedicados à ciência espírita, que, não surpreendentemente, era um de seus favoritos, já que, como acadêmico, também exemplificou a mesma dedicação e inteligência ao estudo da ciência. 

Como erudito cientista e historiador da ciência que foi, percebeu claramente que as bases da verdadeira ciência espírita eram justamente aquelas estabelecidas por Allan Kardec, cabendo a nós construir sobre elas. Em um ambiente em que, infelizmente, ainda vicejam enfoques equivocados sobre o que é a ciência espírita, encontrar os artigos e livros de um pesquisador da estatura intelectual de Aécio Chagas constitui verdadeiro balizamento rumo à recuperação dos excelentes critérios e métodos de pesquisa da dimensão espiritual do homem propostos por Kardec. Possam a vida e a obra do amigo que ora habita o mundo espiritual nos inspirar em nossos estudos e, sobretudo, em nossas ações no campo do bem. 

 *Professor titular do departamento de Filosofia da Unicamp.