Ao pé do ouvido

Por Hilário Silva

Batuíra [António Gonçalves da Silva, 1839 – 1909], o apóstolo do espiritismo na capital paulista, instalara o seu grupo de estudo e caridade na rua do Lavapés, quando numa reunião social foi abordado pelo dr. Cesário Motta, grande médico e higienista, então deputado federal, com residência no Rio de Janeiro. 

Conversa vai, conversa vem, disse-lhe o dr. Cesário ao pé do ouvido: 

– Você, meu amigo, precisa precaver-se. Não sou espírita, mas lhe admiro a sinceridade. E tenho ouvido lamentáveis opiniões a seu respeito. Dizem por aí que você adota o nome de médium para explorar a bolsa pública; que você está rico de tanto enganar incautos e dizem também que você se isola com mulheres, em gabinetes, para seduzi-las, em nome da prece. Tudo calúnias, bem sei... 

– E que sugere o senhor? – perguntou o amigo, sereno. 

– É importante que você se abstenha do espiritismo... 

– Mas, doutor – falou Batuíra com humildade –, o senhor é médico e tem sido o nosso protetor na extinção da febre amarela e da varíola em São Paulo... 

Já vi o senhor tocar as feridas de muita gente... Enfermos para quem pedi seu amparo receberam a sua melhor atenção, embora vomitassem lama em forma de sangue... Nunca vi o senhor desanimar... Pelo fato de o senhor encontrar tanta podridão nos corpos, poderia desistir da medicina? 

O dr. Cesário sorriu, satisfeito, e falou: 

— Sim, sim... Não seria possível... Você tem razão... Esquecia-me de que há podridão também nas almas... 

E, batendo nos ombros do velho amigo, encerrou a questão, afirmando, alegre:
– Vamos continuar...


Almas em desfile, de Hilário Silva, por Francisco Xavier e Waldo Vieira, FEB.