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O “Decálogo do reino”

Por Redação

O escritor e filósofo José Herculano Pires publicou em 1946 a obra O reino¹, baseada em uma tese que defende a construção de um novo mundo em que se estabeleceria o reino de Deus na Terra. 

 “O reino é uma graça e uma conquista. Vivem na ilusão os que se esquecem daquelas palavras: ‘Busca primeiro o reino de Deus e a sua justiça’... Porque pensam que o reino é dado a troco de palavras, de crenças, de sacramentos, de símbolos e sinais exteriores. E se enganam a si mesmos”, reflete Herculano sobre a maneira de atingi-lo. 

O livro estrutura-se com base na história de encontros entre o narrador e um mensageiro do reino, com observações de Herculano sobre vários assuntos, mostrando que o reino não pode ser atingido por violência, mas com justiça e amor. “O jovem Carpinteiro veio mostrar-nos o caminho pelo seu próprio exemplo”, mas “o exemplo do reino era tão estranho como um pesadelo. O mundo o via, mas não entendia”, escreve.

Como parte da obra, para concluir, Herculano descreve o “Decálogo do reino”. 

“Para podermos conquistar o reino, o jovem Carpinteiro nos deu o seu exemplo e seu Evangelho. Depois, nos prometeu e enviou o Espírito da Verdade. Estamos agora em condições de avançar dia a dia para o reino? Que faremos?”, pergunta Herculano, concluindo que as luzes do reino já brilham aos nossos olhos. “Confiemos e avancemos sem desfalecimentos”, destaca.

Eis o “Decálogo” para os que, segundo Herculano, quiserem entrar para as fileiras dos trabalhadores do reino:


Para entrar no reino

  1. Ao acordar pense no reino antes de pensar nas coisas terrenas. E ore. Peça ao jovem Carpinteiro que lhe dê forças para não se deixar fascinar pelos pequenos reinos dos homens e para amar a todos.

  2. Antes de iniciar o seu dia, lembre-se e grave na sua mente que tudo o que você fizer deve ser feito em favor do reino, mesmo no seu trabalho e nas suas mínimas obrigações rotineiras.

  3. Afaste do seu coração qualquer ressentimento contra quem quer que seja. Comece o dia com um sentimento de gratidão a Deus pela bênção da vida e pela bênção maior da compreensão do reino.

  4. Faça ou renove o seu voto de humildade, prometendo a você mesmo não ceder ao orgulho, à vaidade, à cólera, à arrogância, à ambição, à prepotência, à violência, pois todas essas coisas conduzem aos reinos dos homens, desviando-nos do reino de Deus.

  5. Prometa manter-se calmo e buscar a serenidade em todas as circunstâncias.

  6. Tenha confiança na verdade. Só assim você não perderá a razão quando o injuriarem, caluniarem, disserem mentiras a seu respeito, pois compreenderá que só a verdade prevalece e que ela não necessita da força, da astúcia ou de qualquer manobra para se impor.

  7.  Busque a pureza: Todas as coisas são puras quando as encaramos com amor, compreensão e pureza. Não há atos impuros para o homem que mantém o seu coração puro. É nossa malícia que faz impuras as coisas de Deus. Evite sempre os excessos, que são provenientes do egoísmo, fonte da impureza.

  8. Não se esqueça de que o pior dos homens é seu semelhante, seu irmão. Trate a todos com amor e justiça. Mas cuidado na Justiça, que o nosso egoísmo facilmente transforma em injustiça. E seja abundante no amor, em que somos sempre tão pobres e avaros.

  9. Não roube; não aprove o roubo; não elogie o roubo; não queira possuir mais do que o necessário, porque para isso é preciso tirar dos outros e aumentar a miséria do mundo, em prejuízo da riqueza do reino; afaste-se da corrupção do século e dê o exemplo do amor e da justiça do reino.

  10. Não se apresse nem se iluda, pois o reino não vem por sinais exteriores; precisamos construí-lo paciente e corajosamente no coração dos homens, pelo nosso exemplo. Amor, desapego e pureza são os instrumentos de construção do reino de Deus na Terra. Aprenda a trabalhar com esses instrumentos e você ajudará a construir o reino. 

Herculano avisa que este decálogo tem os seus mistérios. “Na proporção em que você o seguir os mistérios irão se revelando. Em cada mandamento há coisas que não percebemos na simples leitura. Só a prática nos revela a amplitude e a profundidade de algumas frases e de algumas palavras.” Isso porque, segundo ele, ao nos aproximarmos do reino, nossa visão se amplia e se aguça, nossa compreensão se esclarece. As luzes do reino vão a pouco e pouco iluminando as trevas do mundo, em que a nossa alma está mergulhada.

¹ Editora Paideia, 2020.