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Finados...

Por Deolindo Amorim   

Aquele que visita um túmulo apenas manifesta, por essa forma, que pensa no espírito ausente. A prece é que santifica o ato da rememoração. (O livro dos espíritos – questão n.º 323).

A doutrina espírita é muito compreensiva, principalmente em relação à natureza humana. Justamente por isso, ensina o respeito a todas as formas de cultos, como também nos faz entender as diferenças nas formas de expressar o sentimento de afeição e saudade. É o caso, por exemplo, do Dia de Finados.

Este assunto está muito bem esclarecido nas questões, que se seguem, de 320 a 329, de O livro dos espíritos. Lá adiante, porém, na questão 824, o assunto reaparece nos seguintes termos: "Reprovais, então, de modo absoluto, a pompa nos funerais?" Resposta do espírito instrutor: "Não; quando se trata de honrar a memória de um homem de bem, é justo e de bom exemplo". Na questão anterior, entretanto, a lição do Alto já havia dito que os monumentos nobres e a suntuosidade representam apenas orgulho dos parentes, e nada mais.


A propósito da questão 824, que é muito incisiva, Allan Kardec deu uma contribuição pessoal, fazendo um comentário muito apropriado, e termina: "Menos perecível do que o seu túmulo será a lembrança de suas ações boas e más. A pompa nos funerais não o limpará (o espírito) das suas torpezas, nem o fará subir um degrau que seja na hierarquia espiritual". Os ensinos espirituais justificam, até certo ponto, os atos de reverência junto aos túmulos, dizendo, ainda mais, que "os espíritos acedem, nesse dia, ao chamado dos que, da Terra, lhes dirigem pensamentos, como o fazem noutro dia qualquer. Há espíritos que, por algum tempo, ainda permanecem junto às sepulturas, enquanto não se libertam das impressões materiais.

Justamente por isso, a doutrina espírita não condena a atitude piedosa das pessoas que vão aos cemitérios, no Dia de Finados, orar por seus parentes e amigos ou render homenagens de afeto e gratidão. É questão muito individual. (O túmulo de Allan Kardec, em Paris – dizem quantos lá já estiveram – é um dos mais visitados e dos mais bem cuidados). Cada qual, enfim, tem a sua maneira de ver e reagir emocionalmente.


Pode acontecer, entretanto, que a visita ao túmulo, inspirada no sentimento de amizade ou de admiração, o que é muito nobre, se transforme em culto material, formalizado ou mecânico. Se é verdade que não devemos chegar ao extremo da secura ou da indiferença, embora saibamos que os espíritos não estão mais no túmulo, também é verdade que não devemos ficar cultuando os despojos materiais, por mais caras que nos sejam as pessoas. A doutrina espírita, como em tudo, aliás, mostra a necessidade de equilíbrio.


À medida que o espírito vai tomando conhecimento de seu novo estado – é ensino da doutrina – naturalmente vai perdendo o interesse pelas coisas materiais e, assim, desprendendo-se da Terra. Logicamente, uma criatura já bastante espiritualizada, ao desencarnar, deve cair em si o mais cedo possível e, portanto, de nada lhe servirá qualquer mausoléu ou solenidade fúnebre. Há pessoas, que, por antecipação, chegam a pedir ou deixam escrito que não façam funeral imponente, porque são contrárias a pompas e louvores convencionais.


Há espíritos, entretanto – convém repetir –, que ainda ficam por algum tempo no cemitério. Há uma comunicação muito ilustrativa a este respeito. É do espírito Michel, e faz parte da coleção de O céu e o inferno, de Allan Kardec. O espírito, que fora muito dado às satisfações materiais, não tendo jamais cogitado de problemas espirituais, cultivou muito a matéria, sentiu forte dificuldade quando desencarnou, porque não conseguia afastar-se do local onde o corpo fora sepultado. Pediu prece no cemitério. Somente depois das preces, reconheceu melhor a situação e deixou o ambiente terra-a-terra. Como se vê, a situação varia de espírito para espírito, dependendo do grau de adiantamento ou de atraso. Por princípio, e à luz da doutrina espírita, não podemos reprovar sistematicamente qualquer ato de reverência junto ao túmulo, pois é problema intencional ou de consciência. Todavia, por mais respeitáveis que sejam os sentimentos do próximo, devemos sempre esclarecer a situação, com os ensinos espíritas, fazendo ver que a lembrança das pessoas queridas, tanto faz no Dia de Finados, como em qualquer dia, deve ser expressa em pensamento, por meio de uma prece, que pode ser muito íntima, em casa, no Centro, em qualquer lugar, contanto que seja sincera, sem o sentido de um culto exterior, de uma devoção formal, pois tais práticas não tem valor para a vida espiritual. É pelo pensamento, como se sabe que levamos nossa mensagem de afeto aos espíritos. Muitas vezes, porém, o afeto exagerado, com desespero ou muita exclamação, pode até aumentar a perturbação do espírito. Enfim, é sempre bom e necessário procurar o verdadeiro espírito da doutrina como roteiro de orientação e procedimento perante os chamados mortos.

(Publicado no jornal Correio Fraterno - Edição 059 Novembro de 1975).