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A história de Pierre na Revista Espírita

Por Izabel Vitusso

Na Revista Espírita de maio de 1859 há um curioso caso publicado por Allan Kardec envolvendo a manifestação do espírito Pierre Le Flamand. Ele chama a atenção pela forma com que foi acolhido e conduzido pelos diálogos, ao se manifestar numa das sessões que se realizavam na casa de um dos médiuns, em Paris. 

O desenrolar dos acontecimentos daria tranquilamente para se tornar uma boa peça teatral, incluindo cenas com a participação do próprio codificador Allan Kardec.

Trata-se de um jovem desencarnado há 15 anos, ainda bastante ligado à Terra. Tudo começa quando à certa pergunta dirigida a um espírito evocado os médiuns recebem uma resposta pouco séria, completamente destoante. 

Percebida a intromissão do espírito, ele é convidado a se identificar, a falar sobre o que fazia ali presente e com que permissão.

Com ar um tanto irreverente, Pierre diz ter sido colega de escola de um dos médium, que havia inclusive puxado briga com ele, o que o médium disse ter vaga lembrança. O espírito justifica também ter se intrometido na conversa para dar ‘um empurrão’ no espírito evocado, que demorava a se manifestar.

Pierre havia sido criado pelo tio e, dados endereço e nome, tudo pôde ser posteriormente confirmado, inclusive o comportamento problemático do seu sobrinho quando em vida.

Acolhida amorosa

É muito lindo a qualidade da condução da conversa, e a forma com que o espírito vai se conscientizando sobre a possível nova forma de levar a vida, através do diálogo franco e amoroso. Pierre admite que não é verdadeiramente feliz, como tantos espíritos que se comunicam ainda hoje nas reuniões mediúnicas nas casas espíritas. 

Entende que levava uma vida extremamente vazia e que precisaria se esforçar para mudar. Oscila em suas reflexões: “Confesso que prefiro assistir às cenas de amor e deboche que não têm influenciado o meu espírito para o bem.” 

O orientador então lhe faz uma proposta: Ao menos poderia tentar praticar uma boa ação! Mas antes teria que provar suas verdadeiras intenções e a sua capacidade de perseverar.

Numa segunda conversa, Pierre mostra-se entusiasmado, desejoso de lhe mostrar o seu empenho para ser útil. Antevê a alegria de ser valorizado por algo que possa vir a fazer.

Visita a Allan Kardec

O orientador  então se inspira e diz:

─ Falei de ti ao sr. Allan Kardec. Dei-lhe conhecimento de nossa conversa, com o que ficou muito satisfeito. Ele deseja entrar em contato contigo.

─ Eu sei, responde Pierre. Estive na casa dele.

 ─ Quem te conduziu até lá?

 ─ Teu pensamento. Voltei aqui depois daquele dia; vi que tu lhe querias falar a meu respeito e disse com os meus botões: Vamos lá primeiro; possivelmente encontrarei material de observação e talvez uma ocasião de ser útil.

– Que impressão tiveste da visita?

─ Oh! Muito boa. Aprendi coisas que nem suspeitava e que me esclareceram quanto ao meu futuro. É como uma luz que se fez em mim. Agora compreendo tudo quanto tenho a ganhar com o meu aperfeiçoamento... Fui à casa dele anteontem à noite. Estava ocupado, escrevendo em seu gabinete... Trabalhava numa nova obra em preparo. (Era o livro O que é o espiritismo, publicado no mês seguinte).

─ Estava só?

─ Só, sim, isto é, não havia lá outras pessoas. Havia, porém, ao seu redor, cerca de vinte espíritos que cochichavam acima de sua cabeça.

─ Ele os escutava?

─ Ouvia-os tão bem que olhava para todos os lados de onde vinha o ruído, para ver se não eram milhares de moscas. Depois abriu a janela para ver se não seria o vento ou a chuva. (O fato é absolutamente exato.)

─ Os espíritos davam a impressão de observar o que ele escrevia?

─ Penso que sim. Dois ou três, sobretudo, sopravam aquilo que ele escrevia e davam a impressão de ouvir a opinião dos outros. Contudo ele acreditava piamente que as ideias lhe eram próprias, e parecia contente com isso.

─ Foi tudo o que viste?

─ Depois chegaram oito ou dez pessoas que se reuniram numa outra sala com Kardec. Puseram-se a conversar. Faziam perguntas e ele respondia, explicava.

─ Conheces as pessoas que lá estavam?

─ Não. Sei apenas que havia pessoas importantes, porque a um deles chamavam sempre príncipe, e a outro, senhor duque. Também os espíritos chegaram em massa. Havia pelo menos uns cem, dos quais alguns tinham uma espécie de coroa de fogo. Os outros mantinham-se à distância, escutando.

No relato, é surpreendente a descrição de Pierre sobre detalhes do que assistira na casa do codificador, revelando uma parte real da história do espiritismo com um colorido testemunhal da sua observação, um leigo em matéria de doutrina. Outro ponto importante a observar é a habilidade da orientação amorosa e a condução inteligente da conversa com desencarnados, pontos precisos que vão descortinando para Pierre novos horizontes. E isso tudo faz com que ele se senta bem, comece a ver mais sentido na vida, deixando o vazio que lhe atormentava por falta de valorização e descoberta de suas próprias potencialidades escondidas que desabrochavam em forma de trabalho e alegria e servir.