Somos marionetes de nós mesmos?
Por Eliana Haddad
O livre-arbítrio só existe antes de encarnarmos, quando escolhemos o gênero de provas por que temos que passar? Se é assim, então somos marionetes de nós mesmos?
Paula Pessôa. Santarém,PA.
A questão do livre-arbítrio merece especial atenção para não ser mal interpretada. Nela está uma chave importante para se compreender a visão espírita da vida.
Explica a doutrina espírita que o homem é livre para escolher e para desistir de suas escolhas, mas o exercício dessa liberdade estará sempre condicionado à sua evolução moral. Assim, podemos fazer as nossas escolhas, mas também cabe a nós realizá-las ou não. E isso não implica castigos, porque a justiça divina é misericordiosa, dando-nos novas oportunidades, até que consigamos ficar em paz com a nossa consciência, quitando débitos contraídos ou realizando novas tarefas no Bem.
Conforme o espírito vai progredindo, vai passando por experiências, como encarnado e desencarnado, e aprendendo paulatinamente a agir, pensar, conhecer, a amar e também a escolher melhor, pois seu conceito de felicidade também se transforma. Ter uma encarnação feliz não é ter tudo de bom, mas conseguir realizar o que é necessário, e muitas vezes isso exige sacrifícios, superações, por não ser o 'necessário' tudo o que queremos. Muitas vezes, diante das provas, nos perguntamos "como fui escolher isso?", esquecendo-nos de que nossa vida é resultado das nossas próprias ações, pretéritas e presentes, e que a nossa colheita é sempre submetida à lei do amor.
Assim, quanto mais nos esforçamos e nos dedicamos ao Bem, mais vamos abatendo nossas ações negativas, sendo o nosso esforço no cumprimento da lei divina também levado em conta, porque nossa consciência sabe do que fomos e somos capazes de realizar na exata medida das nossas possibilidades.
Allan Kardec diz que o homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. "Ele pode escolher uma existência em que seja arrastado ao crime (...) pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir.
Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de espírito [desencarnado], ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente submetido".
Ressalta a doutrina dos espíritos também que devemos combater nossas más tendências, através de uma educação que se baseie no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Como o progresso não dá saltos, a justiça divina respeita a nossa dificuldade e dispõe de um mecanismo de amor e aprendizado para nos auxiliar que muitas vezes não compreendemos: a reencarnação. Como oportunidades de novas realizações, com elas, tantas quantas nos forem necessárias, ainda temos o esquecimento do passado. E é nos relacionamentos, nas condições da vida atual, que vamos lapidando a nossa pedra bruta, esforçando-nos nos embates do dia a dia para atingirmos esse progresso, que é inexorável, porque fomos criados por Deus para sermos felizes. "Sois deuses, sois luzes", disse Jesus.
Pela nossa imperfeição ainda e maior apego ao lado material da vida, não entendemos o que seja realmente felicidade para o espírito, confundindo essas oportunidades benditas de aprendizado como castigos, nos rebelando diante do remédio amargo elaborado por nós mesmos, feito sob medida para alcançarmos a paz das nossas consciências. Assim, a vida nos trata, e não nos maltrata como muitas vezes imaginamos. Podemos modificar, portanto, os nossos destinos todos os dias e, por maiores que sejam as nossas dificuldades e os nossos conflitos, nossa finalidade será sempre crescer, superar, evoluir. Dessa forma, vamos aprendendo a escolher e a decidir. "O espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado, e é nisso que consiste sobretudo o seu livre-arbítrio", explica a doutrina.
Os espíritos nos esclarecem que não há fatalidade. "Se assim fosse, o homem seria qual máquina sem vontade" e "de que lhe serviria a inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela força do destino? Seria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal, crimes ou virtudes". A fatalidade, porém, segundo eles, não é uma "palavra vã". Ela existe na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em consequência do gênero de vida que escolheu como prova, expiação ou missão. "Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más, que lhe são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não a essas tendências".
Allan Kardec, O livro dos espíritos, questão 872.
(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 456, mar./abr. 2014)