Viver é escolher
Por Herminio C. Miranda
Pertencemos, os espíritas, a um grupo minoritário, graças a Deus. Não que possamos invocar qualquer argumento contrário às crenças e às doutrinas majoritárias. Nada temos a objetar a que cada um siga a sua concepção filosófica, qualquer que seja ela, ainda que totalmente negativa e desprovida de objetivos superiores.
Quando dizemos que cada um tem a sua verdade, não emitimos conceito muito exato, porque não existem muitas verdades, e sim maneiras diferentes de apreensão de uma verdade única. Essa maneira é condicionada ao estado evolutivo do espírito.
O que se dá é que grandes massas humanas se deixam docilmente levar por doutrinas dominantes, sem as examinar de perto, por simples comodismo intelectual ou, em palavras mais simples, por preguiça de pensar. Para muita gente é preferível ter uma religião ou uma filosofia política todinha pensada pelos outros e que tem atrás de si o suporte da maioria estatística.
No entanto, pensar é uma atividade essencial ao desenvolvimento do espírito. Nós só nos evoluímos quando pensamos nossas próprias ideias, quando tentamos combinações novas partindo de conceitos antigos, quando abandonamos velhas fórmulas por novas concepções. Sem isso, ainda estaríamos na idade das cavernas, vivendo no escasso limiar da madrugada da consciência.
A vida é um constante decidir entre duas ou mais alternativas.
Para isso tudo é preciso saber pensar, porque é pensando que escolhemos e é escolhendo que vivemos. É a escolha entre o bem e o mal, entre a paz e o tumulto, entre a dor e o prazer, entre a sombra e a luz, entre o progresso e a estagnação.
Por isso eu dizia no princípio que graças a Deus somos minoritários. É sinal de que já repensamos as velhas ideias e as recusamos, escolhendo outras que nos parecem melhores.
Percorrendo a história do pensamento humano, vemos sempre repetido esse mesmo ciclo. As ideias nascem em grupos numericamente insignificantes e se propagam em consonância com a força do seu conteúdo humano. Digo força do conteúdo humano e não do aspecto moral. Doutrinas lamentáveis e perniciosas também alcançam grande êxito entre os homens, porque encontraram quantidade suficiente de pessoas que acorrem ao seu apelo. O nazifascismo foi uma dessas doutrinas negativistas que medrou espantosamente no decurso de uma geração e ameaçou tragar o mundo.
De outro lado do espectro vemos a ideia do cristianismo. Também nasceu minoritário, pregado por um mestre suave que os romanos não levaram muito a sério e que os judeus consideraram apenas mais um herético inconsequente. Sua doutrina, porém, apelava para a profunda intuição de suas origens, que o Espírito traz em si mesmo.
Com o passar do tempo, o cristianismo se viu envolvido num matagal teológico que o sufocou.
Muitos daqueles que ajudaram a envolver o cristianismo no brilho falso da teologia ortodoxa estão hoje com a nova minoria do espiritismo para tentar a recomposição do cristianismo primitivo.
Não importa que sejam agora minoria. Já o foram também, ao tempo em que a doutrina do Cristo amanhecia na consciência dos homens. O que importa é demonstrar uma tolerância que não tiveram no passado, uma humildade que não se deixe envolver pelas artimanhas das velhas vaidades intelectuais, uma caridade autêntica, cuja força está no próprio exemplo e não em palavras que nada dizem.
Sendo, pois, uma minoria investida de grande responsabilidade, é preciso meditar bem no que vamos dizer e agir com serenidade que nem sempre tivemos no passado. Somos hoje a maioria desprezada e perseguida para não nos esquecermos da lição, ao tempo em que, situados na confortável maioria, perseguíamos aqueles que não afinavam com as nossas ideias.
Não se admira, pois, que venhamos nascer em famílias cuja religião dominante se oponha às nossas novas concepções doutrinárias. Nascidos de pais católicos, judeus ou protestantes, aprendemos com eles aquilo que nos podem dar de seu, como também podemos passar pela aflição de nascer em meio hostil a qualquer ideia de espiritualidade. É a nossa prova.
Com o tempo, mesmo que tenha sido poderosa a influência externa nos anos formadores, começamos a abandonar as ideias que nos ensinaram, e a nos fazer perguntas a que, a princípio, não sabemos responder. E vamos chegando às fontes puras do Espiritismo, para onde nos conduzem a nossa intuição e o nosso desesperado desejo de paz espiritual.
Quando lá chegamos, bebemos sôfregos e felizes os grandes goles dessa nova água batismal que nos lava do espírito as inquietações e as mágoas.
Acontece, porém, que nem todos aqueles que nos cercam vão conosco à mesma fonte. Pais, esposos, filhos, irmãos, parentes e amigos não nos seguirão docilmente em novas crenças.
Também isso não importa. Vamos em frente, sem ódios, sem mágoas e sem desprezos. Um dia poderão precisar de nós e nós voltaremos, pressurosos, para estender-lhes a mão, da mesma forma que tantos outros já nos estenderam.
Do livro Candeias na noite escura, que reúne artigos do autor para a revista Reformador, com o pseudônimo de João Marcus, FEB.