Por que temos medo da morte?
Por Luís Jorge Lira Neto*
Nasci, logo comecei a morrer.
Como recém-nato, me aproximo da morte.
No bem-viver, o temor de morrer.
Ao fim, segui com a morte.
O temor da morte permeia a existência de todo sobrevivente. Medo da finitude? Receio da extinção? Incertezas sobre o futuro? Crise existencial? Muitos questionamentos surgem diante dessa certeza do fim da vida material, inspirando o mestre das palavras, Shakespeare, que sintetizou esse temor numa frase: “Ser ou não ser, eis a questão”, induzindo à dicotomia entre o existir ou não existir, ou de viver ou morrer, característico do pensamento humano. Assim se pensa a vida, essa unicidade do existir que leva a temer a morte, juntamente com a força instintiva de sobrevivência, que tanto nos une ao mundo animal.
Povos de todas as épocas têm-se defrontado com esse fenômeno natural, desenvolvendo ao longo do tempo sistemas de convivência e sobrevivência, surgido assim, no espaço cultural, os mitos, ritos, espaços e palavras sagradas, traduzidos em religiosidade. Manter contato com o sobrenatural é a forma de desmitificar a morte e com ela se vai o temor, transformando os simples mortais em seres superiores, deuses, semideuses e heróis. À frente dessa realidade da imortalidade, surgem as religiões, institucionalizadas, com seus séquitos e cânones sagrados, dominando o espaço cultural, outrora de livre manifestação, em clausuras que de tempos em tempos tem-se suas rupturas, pois estruturas que primem o livre-arbítrio levam a convulsões.
A morte e os pensadores
No campo filosófico o tema morte é suporte para o próprio exercício de filosofar. Vejam Sócrates, que definiu a filosofia como "preparação para a morte": Sem a morte, seria mesmo difícil filosofar. Vários filósofos citaram célebres frases sobre a morte. Epicuro: "A morte é uma quimera: porque enquanto eu existo, ela não existe; e quando ela existe, eu já não existo"; Michel de Montaigne: "Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade"; Arthur Schopenhauer: “A morte é a musa da filosofia"; Sören Kierkegaard: “O morrer à própria morte significa viver"; Friedrich Nietzsche: "Tudo perece, tudo, portanto, merece perecer!"; Martin Heidegger: “O ser do homem é um ser que caminha para a morte", PAUL SATRE: A morte é “nadificação de todas as minhas possibilidades, nadificação essa que já não mais faz parte de minhas possibilidades”. Da visão filosófica otimista, na qual o ser continua numa vida futura, ao niilismo em que a morte é a extinção do indivíduo, a morte é algo definido como essencial ao ser.
A morte não é o fim
Para fazer contraposição a isso, surge na França do século 19 o espiritismo, doutrina elaborada pelo francês Allan Kardec e os espíritos, que tem por finalidade o estudo da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal. A publicação de O livro dos espíritos, em 1857, marcou o início da doutrina espírita classificada como uma filosofia espiritualista. Com várias outras obras publicadas, destacamos O céu e o inferno ou A justiça divina segundo o espiritismo, de 1865. Este livro é composto em duas partes, a primeira é um exame comparado das doutrinas sobre o processo da morte, a vida espiritual e a segunda tem exemplos da situação real dos Espíritos durante e depois da morte. Portanto, um duplo estudo comparativo, um conceitual entre as doutrinas pagãs, cristãs de matriz católica e o espiritismo, o outro vivencial, tomando como base as entrevistas com os Espíritos, seguindo a classificação da Escala Espírita.
Kardec inseriu nesse livro um texto sobre temor da morte no capítulo II da 1ª parte, subdividido em dois assuntos: “Causas do temor da morte” e “Por que os espíritas não temem a morte”, que passamos a analisá-los.
Causas do temor da morte
O autor, ao abordar as causas do temor da morte, parte da premissa (Kardec, 2002, p.33) que “o homem, em qualquer situação social, desde o estado de selvageria, tem o pressentimento inato do futuro. Sua intuição lhe diz que a morte não é a última fase da existência e que aqueles que choramos não estão perdidos para sempre”, propondo que é inato na humanidade o sentimento do futuro pós-morte, sendo uma crença intuitiva em que a morte não é o último termo da existência. No entanto, observou que entre os que acreditam na imortalidade da alma, tantos ainda se apegam às coisas terrenas e sentem o temor pela morte. Em busca de uma resposta plausível, Kardec a encontra nessa assertiva (Kardec, 2002, p.33): “A preocupação com a morte é determinada pela sabedoria da Providência e uma consequência do instinto de conservação comum a todos os seres vivos.” Assim, o temor da morte é efeito da Providência Divina e uma consequência do instinto de conservação, e complementa: “É necessária, enquanto o homem não estiver esclarecido a respeito da vida futura”.
As dúvidas sobre a vida futura
Com isso, é possível perceber duas constatações: a primeira é que esse temor decorre da noção insuficiente sobre as condições da vida futura, a segunda é que o temor surge da necessidade de viver e do receio de que a destruição do corpo seja a destruição total da individualidade. E conclui que é preciso conhecer o mundo espiritual tanto quanto possível através do pensamento, para ter uma ideia mais assertiva possível deste. Mas, pondera que é providencial não o apresentar sob uma perspectiva muito positiva, pois o levaria a negligenciar o presente.
A argumentação continua com a apresentação de quatro causas para a existência do temor da morte.
A primeira trata do aspecto sobre o qual se apresenta a vida futura, que não satisfaz às exigências racionais de “homens de reflexão”, verdades absolutas e princípios que subvertem a lógica, e aos dados positivos da ciência, que só poderiam resultar em incredulidade para alguns e em crença duvidosa para muitos.
A segunda, liga-se ao quadro horrendo da vida futura apresentado pela religião, principalmente as denominações judaico-cristãs, com condenados em torturas infindáveis, almas aguardando orações dos humanos para se libertarem e, para os eleitos, um gozo eterno de beatitude contemplativa.
A terceira, diz respeito às cerimônias nos funerais, que mais aterrorizam, infundem desespero e desesperança. Tudo concorre para inspirar o pavor da morte em lugar de despertar a esperança.
Por último, a imposição de barreiras insuperáveis de relacionamento e de comunicação das pessoas com seus entes queridos que já morreram, colocando entre os mortos e os vivos uma distância imensa, que faz considerar a separação como definitiva e eterna. Por isso, nos leva a preferir uma vida de sofrimento, com as pessoas que amamos, do que viver num céu isolado do convívio delas.
Por que o espírita não teme a morte
O segundo assunto do capítulo demonstra a percepção dos que assimilam a mensagem do espiritismo sobre a vida futura e, portanto, não se preocupam com a morte do corpo físico. Kardec parte do fato de que a doutrina espírita muda completamente a forma de ver o futuro. A vida futura deixa de ser uma hipótese e torna-se uma realidade, ou seja, os princípios espíritas no porvir transformam a incerteza no futuro pós-morte em certeza da continuidade da vida. Modifica um sistema arraigado em crenças de desesperança em um sistema de observação da vida espiritual.
A realidade espiritual
O autor, aqui também, faz duas constatações: de início que a situação das almas após a morte não se explica por meio de um sistema de crenças, mas pelo resultado da observação, que permite conhecer a realidade do mundo espiritual, e que esse conhecimento lhe traz confiança baseada (KARDEC, 2002, p.45) “nos fatos que testemunharam e na concordância com a lógica, com a justiça e a bondade de Deus e com as aspirações mais profundas do homem”, concluindo que o temor da morte para o espírita perde a razão de ser, porque ele não tem dúvida sobre o futuro. Então encara a morte com tranquilidade, aguarda-a como uma libertação.
Mundo corpóreo e espiritual: perpétuas relações de apoio
Kardec extrai dessas informações duas causas que levam o espírita a não temer a morte. Primeiro que ele aprendeu que a alma não é uma abstração, tem um corpo que a faz um ser definido, uma forma concreta, seres viventes, que estão à nossa volta e, segundo, que o mundo corpóreo e o espiritual identificam-se em perpétuas relações de apoio mútuo.
O espiritismo detém um conhecimento que mitiga medos e fobias, que consola pelo conhecimento e sentimento. Dele pode-se absorver a confiança e atitude altruísta diante das calamidades e problemas humanos, convictos pelas informações que demonstram a justiça e bondade divina a nos cercar de garantias de uma vida futura de paz e harmonia.
O espiritismo venceu a morte!
Oh morte! donde estás?
Agora cala-te diante dos fatos irrefutáveis.
Transformastes em liberdade,
porque conhecemos a Verdade!
KARDEC, Allan. O céu e o inferno ou A justiça divina segundo o espiritismo. Tradução J. Herculano Pires e João Teixeira de Paula. 10. ed. São Paulo: Lake, 2002.
*Escritor, pesquisador e colaborador da Associação Espírita Casa dos Humildes, no Recife, e da Associação Brasileira dos Divulgadores do Espiritismo.