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O livro para os que sonham com um mundo melhor

Herminio Miranda

Por Herminio Miranda

É muito difícil reconhecer, num livro que surge, a marca da Verdade. Não foram poucos, no entanto, os que identificaram, logo de início, essa virtude em O livro dos espíritos, quando publicado pela primeira vez em 1857. 

Extraordinário livro esse, cuja sabedoria jamais se esgota, por mais estudado, analisado e pesquisado que seja. É constante, por exemplo, a advertência dos instrutores acerca do mistério que envolve a origem dos Espíritos e das coisas. Em resposta à pergunta número 239 (Os Espíritos conhecem os princípios das coisas?), informam os comunicantes:

“Isso é conforme à sua elevação e à sua pureza. Os Espíritos inferiores não sabem mais do que os homens.”

Também o Cristo várias vezes advertiu que, nos seus ensinamentos, não poderia ir além de certo ponto, obviamente para não ultrapassar com eles o conhecimento ainda muito precário dos homens de seu tempo. 

Vemos então que, embora contenha um resumo de todas as grandes ideias e um maravilhoso roteiro para a pesquisa científica, para o desenvolvimento filosófico e o aperfeiçoamento moral, O livro dos espíritos encerra uma demonstração de bom senso da parte dos seus autores desencarnados, que tiveram o cuidado de não avançar além do que a nossa mentalidade pode absorver. Evitou-se, dessa forma, que as realidades do mundo superior – mesmo admitindo-se possível sua tradução em linguagem humana – fossem ridicularizadas e tidas por fantasiosas por toda a esmagadora maioria daqueles de nós que ainda não estão em condições de aceitá-las. 

O bom senso de Kardec deve ter oferecido aos seus elevados amigos da Espiritualidade as condições de que precisavam para lançar entre os homens um livro tão avançado para a época. 

O problema que então se colocou diante dos Espíritos foi, ao que parece, dos mais complexos. Era preciso trazer uma mensagem válida àquela multidão de encarnados que não tinham ‘ainda’ uma doutrina racional e aceitável e não tinham ‘mais’ a antiga crença que exigia a aceitação do absurdo. 

Muitos desses já haviam passado, em sucessivas encarnações, pela fé dogmática – não podiam mais admiti-la; era uma experiência superada na história da evolução individual. Como, porém, converter em palavras, ao nível do entendimento humano, todo o maravilhoso mecanismo do universo físico, do mundo espiritual, das leis morais e das responsabilidades e deveres de cada um? 

Herminio Miranda

Era um trabalho realmente gigantesco e teria de ser confiado não a um só Espírito, mas a uma equipe de seres já muito experimentados ao longo de muitas e muitas vidas. Isso daria à doutrina um caráter essencialmente universalista, sem identificá-la com nenhum pregador, filósofo, profeta ou moralista em particular e, ao mesmo tempo, traria para o seu arcabouço filosófico a contribuição de uma variada, extensa e profunda experiência de muitos seres superiores, um mundo ainda possível de realizações de paz e equilíbrio. 

Vinham ensinar que toda a sabedoria humana está na obediência consciente às Leis divinas. Vieram advertir de que convidamos a dor sempre que tentamos teimosamente atritar-nos com a imutável sabedoria dessas leis. Vieram, enfim, trazer aos homens o ‘livro da esperança’.

(...) Um dia a ciência oficial há de desembaraçar-se dos ouropéis da vaidade acadêmica e buscar ali inspiração para as suas pesquisas, o ponto de partida para novas descobertas. O universo inteiro está à nossa disposição, mas é preciso que nos aproximemos dos seus segredos com verdadeiro espírito de humildade intelectual.

Candeias na noite escura, FEB, 2014. (Coleção de textos publicados na revista Reformador, quando Herminio escrevia sob o pseudônimo de João Marcus.)