Morte: a necessidade de se educar para ela
Por Eliana Haddad
Morrer, assim como nascer, é apenas uma etapa da vida. Afirmação fácil para os espiritualistas que admitem haver algo além do corpo físico, e certeza absoluta de todos que sabem que dela não escaparão, a morte não é assunto assim tão simples e confortável de se lidar. Perguntas sobre ela também não faltam: O que acontece no exato momento em que morremos? Para onde vamos exatamente? Reencontraremos parentes e amigos? Como ficará a saudade dos que tanto amamos?
O medo, a fantasia e o mistério do desconhecido ocorrem justamente pela falta de educação que se tem sobre a morte, assunto que motivou o filósofo J. Herculano Pires (1914-1979) a analisar melhor esse assunto. Ele atribui muito do desespero de quem fica e da insegurança de quem vai à essa lacuna 'lamentável' que se criou no conhecimento humano sobre um ato natural, que faz parte da lei divina.
"A morte não é uma opção, nem uma possibilidade, é uma certeza, nosso fim inevitável", alerta o escritor espírita logo no início de uma de suas mais importantes obras, Educação para a morte, relançada pela Correio Fraterno juntamente com a editora Paideia.
Herculano lembra que foi Allan Kardec quem primeiro cuidou do assunto objetivamente, através de uma pesquisa psicológica 'exemplar' sobre o fenômeno da morte. "Por anos seguidos falou a respeito com os espíritos dos mortos. E, considerando o sono como irmão ou primo da morte, pesquisou também os espíritos das pessoas vivas durante o sono. Isso porque, segundo verificara, os que dormem saem do corpo durante o sono. Alguns saem e não voltam: morrem", explica.
Outro ponto importante por ele observado é que a falta de conhecimento sobre a morte leva os espíritos desencarnados a perturbações que poderiam ser evitadas. Afinal, a experiência advinda das comunicações mediúnicas de inúmeros espíritos atormentados e perdidos mostra quanto sofrimento simplesmente pelo fato de se desconhecer que o corpo físico é que morre, enquanto a vida é para sempre, manifestando-se através de um corpo mais sutil, que Kardec chamou de perispírito, com propriedades específicas, mudando-se apenas o meio, na condição de desencarnado.
Apesar do fato de morrer fazer parte das leis naturais e imutáveis da vida, não se pensa na morte de forma tão frequente, muito menos se dedica a ela de modo a aprofundar-se em estudá-la. Os questionamentos, porém, são inevitáveis, quando se depara com ela. A morte nos pega de surpresa. De repente, lá se foi um parente, um vizinho, um amigo, um ídolo, e a realidade volta a burilar o raciocínio, os sentimentos.
A falta de compreensão sobre o lado espiritual da vida muitas vezes nos leva a respostas imediatas e simplistas, quando na verdade há muito a se entender sobre a vida do espírito mortal. Explica Herculano Pires que a educação para a morte não é nenhuma forma de preparação religiosa para a conquista do Céu. "É um processo de ajustar os educandos à realidade da vida que não consiste apenas no viver, mas também no existir e no transcender." E lembra o poeta Vinícius de Moraes: "O homem que vive sem tomar conhecimento desse processo, passou pela vida e não viveu".
Para ele, é preciso desenvolver em nós a consciência da morte para aprendermos a morrer com "decência e dignidade". Lembrando que Jesus já havia nos deixado a mensagem da vida eterna, que fora deturpada e mal compreendida, o filósofo assinala que a vida só terá sentido quando servir de preparação para vidas melhores. "Os segredos da morte nos são agora racionalmente acessíveis. A morte marca o limite da tarefa que nos foi confiada e nos transfere para o plano de avaliação de nós mesmos e do que fizemos. O renascimento resulta desse balanço final de uma existência e nos prepara para a seguinte. Méritos e deméritos de tudo quanto fizermos será exclusivamente nossos", reforça ele, convidando-nos, assim, para a verdadeira educação num curso contínuo do bem viver.
Um diálogo com um espírito
– A ideia da morte causou-vos terror? – Tinha bastante fé em Deus para que tal não sucedesse.– O desprendimento foi doloroso?
– Não. Isso que denominais últimos momentos, nada é. Eu apenas senti um rápido abalo, para encontrar-me logo feliz, inteiramente desembaraçado da mísera carcaça.
– E que sucedeu depois?
– Tive o prazer de ver aproximarem-se inúmeros amigos, notadamente os que tive a satisfação de ajudar, dando-me todos as boas-vindas. Ao lugar em que ora me encontro não se chega senão depois de uma série enorme de provas, ou de encarnações.
Este é apenas um dos inúmeros diálogos que existem no livro O céu e o inferno (Allan Kardec), sobre os espíritos e os diversos níveis de evolução.
(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 471, set./out. de 2016)