Felicidade: onde eu compro uma?
Por Alexandre Caldini Neto*
A primeira pergunta da quarta parte do O livro dos espíritos fala sobre a felicidade. Kardec pergunta se podemos desfrutar de felicidade completa na Terra. A resposta é categórica: a felicidade completa não dá. Mas na resposta também é dito que depende de nós sermos tão felizes quanto se pode ser na Terra. Opa! Então está nas nossas mãos sermos, ao menos um pouco, felizes! Já é alguma coisa. Mas...como fazê-lo?
Felicidade e alegria
Vale começarmos pensando na diferença entre felicidade e alegria. Confundimos os dois conceitos. Alegria é algo efêmero. Gostosinho, necessário, mas que não dura. Já a felicidade é algo mais duradouro e mais profundo: um estado de espírito.
Ficamos alegres ao encontrar um amigo, ao sermos promovidos, ao ganhar um dinheiro inesperado e ao comprar uma roupa bacana. A alegria tem sua função: ela é como um pico de glicose a nos energizar. Alegres, seguimos mais confiantes. A alegria nos reabastece de boníssimo ânimo. Mas como a glicose, depois de um tempo, parece que consumimos a alegria e ela se esvai. E voltamos a ficar aborrecidos e enfastiados, em busca de nova pico de alegria para que possamos seguir adiante. Parece que nos viciamos em alegria!
A felicidade é algo menos eufórico que a alegria. Ela não é de picos, de altos e baixos. A felicidade é algo mais constante e sereno, mais equilibrado e longevo. É algo que se demora para se conquistar, mas que uma vez conosco, se mantém estável. A felicidade talvez seja um modo de enxergar o mundo, as pessoas, os desafios, os problemas e as belezas da vida. Uma pessoa feliz também tem suas alegrias, mas ela é menos dependente de picos de alegria. Ela tampouco sofre com os vales, as chamadas depressões. A pessoa feliz compreende melhor o mundo que a cerca e por isso encara tudo com maior naturalidade e sem paixões. Felicidade tem a ver com compreensão. Quanto melhor compreendermos tudo, menos nos iludiremos e menos sofreremos, pois nada será inesperado ou destituído de lógica. Quando compreendemos, aceitamos e trabalhamos o fato; e desse modo não sofremos, mas ao contrário, nos animamos por conseguirmos dar bom encaminhamento ao assunto.
O sucesso traz a felicidade. Ou seria o inverso?
Outra confusão que fazemos é na dupla sucesso e felicidade. Certa vez li sobre uma pesquisa de uma universidade californiana que respondia a seguinte pergunta: o sucesso traz a felicidade ou a felicidade traz o sucesso? A descoberta é surpreendente pois contraintuitiva: a felicidade vem antes e facilita o sucesso.
Muitos de nós achamos que precisamos ser famosos e ter muito sucesso na vida – na vida afetiva, no trabalho, na saúde, nas finanças – para só então, sermos felizes. A pesquisa provou o contrário: as pessoas que alcançavam o sucesso eram as que já eram as mais felizes antes do sucesso. Em outras palavras: quem gosta mais de si (autoestima, não arrogância), quem ama os demais, quem se interessa pela vida, quem está melhor com seu corpo e com seu papel na sociedade, quem se dedica a ser uma pessoa melhor a cada dia; essa pessoa tem equilíbrio e tranquilidade que são requisitos para atingir o sucesso em qualquer campo de nossas vidas. Então que tal focar na felicidade genuína e generosa invés de buscar o sucesso a qualquer custo? Albert Einstein, sábio, dizia: "Não tentes ser bem-sucedido, tenta antes, ser um homem de valor".
Dinheiro e felicidade
E dinheiro: traz felicidade? Dinheiro é importante, mas ele sozinho não garante a felicidade. Quantos ricos você conhece que são infelizes? O rico pode comprar o que quer, e isso o alegra. Mas isso é insuficiente para mantê-lo feliz e logo depois ele cai novamente na falta de algo, no vazio. Então, o caminho para a felicidade é ser pobre, desfazer-se de todos os bens, certo? Não. A pobreza também não garante a felicidade. O que importa aqui é compreender que a felicidade não se compra, mas se constrói. Com o dinheiro é possível comprar conforto e alegrias, mas as alegrias não sustentam a felicidade. Um sapato novo, uma bolsa linda, um carro do ano, tudo isso nos alegra, mas não nos tira dos problemas, não nos resgata da angústia e da depressão. Dinheiro sozinho não nos traz felicidade e paz.
Problemas e felicidade
O que atrapalha a nossa felicidade então são os problemas! É tanto problema, tanta coisa complicada para resolver, que é impossível ser feliz. Bom, nesse caso, a solução está fácil: basta acabar com nossos problemas e seremos felizes, certo?
Ilusão. Nossos problemas nunca acabarão. Somos espíritos ainda muito novos, com muito a experimentar, aprender e progredir. Ainda teremos muitos problemas pela frente. Eles, os problemas, creia, são nossos amigos! Entendamos os problemas como desafios, provas. Estamos criando musculatura moral e intelectual ao trabalharmos nossos problemas. Cada problema resolvido é um aprendizado adquirido. É exatamente por isso que encarnamos, na Terra: para que encaremos situações desafiadoras e, usando nossa inteligência, nos desenvolvamos como espíritos, em sabedoria e moral. Assim compreendendo, os problemas deixam de ser uma barreira à nossa felicidade e se apresentam como são: um atalho à conquista da felicidade.
Infeliz por querer ser feliz
Uma pergunta: será que a busca frenética por felicidade não nos causa infelicidade?
Queremos todos ser felizes. Mas queremos ser felizes agora, neste momento, imediatamente e não depois. E não queremos ser apenas felizes, mas queremos ser muito, muito felizes. E não apenas agora e muito, mas queremos ser felizes o tempo todo. É possível isso? O espiritismo na pergunta 920 de O livro dos espíritos diz que não.
Vivemos num mundo de provas e expiações. Somos espíritos ainda pouco sábios que cometem injustiças e toda sorte de erros a todo momento. Num ambiente desses, com colegas iguais a nós – gente ainda barra pesada – é impossível ser feliz o tempo todo. Então esqueça o hedonismo.
Ser tão feliz quanto se pode ser
Mas, e aquela estória de ser tão feliz quanto se pode ser na Terra?
A resposta à pergunta 920 diz que depende de nós amenizarmos os males para sermos tão felizes quanto se pode ser na Terra. Opa! Ai está a dica preciosa: amenizarmos os males! E que males são esses? Os conhecemos todos. Eles são nossos companheiros de longa data, nós os alimentamos a todo momento, estão conosco há várias encarnações. São a vaidade, o egoísmo, o orgulho, a soberba, a inveja, o ciúme, a ganância, a parcialidade, o sectarismo, o elitismo... todos filhos do ego avantajado.
Então, se quisermos a felicidade, a chave é nosso progresso moral e intelectual. O segredo é nos livrarmos desses espinhos todos que nos causam tanto desgosto e nos afastam da felicidade viável já aqui, na Terra. A boa notícia é que isso, afastarmos de nosso dia a dia esses nossos defeitos, está ao nosso alcance. Só depende de nós. Depende de nosso compromisso conosco, de nosso autoconhecimento, de nossa honestidade para conosco, enfim, da reforma íntima, tão conhecida dos espíritas. A quantas anda a sua?
A felicidade nas nossas mãos
Trabalhemos nossa felicidade. Construamos nossa felicidade.
Cuidemos de nossos pensamentos, que são o terreno onde nossa felicidade florescerá. Usemos da gentileza que o melhor adubo para a felicidade. Busquemos compreender o próximo, aquele que pensa diferente de nós, pois ele é a nossa sabatina para a conquista de nossa felicidade. Não reforcemos comportamentos que nos afastam da felicidade e causam tanto sofrimento a nós e a tantos. Evitemos dar força ao ódio, ao separatismo, à crueldade, à tortura e à xenofobia. Promovamos a paz e não o armamento e as disputas. Combatamos em nós qualquer preconceito, seja de etnia, de classe, de geografia, de origem, de orientação sexual ou de crença. Nós, espiritas inclusive, não somos os únicos bacanas. Deus não elegeu um modelo único de humano. Todos, os diferentes de nós inclusive, são espíritos criados por Deus.
Lembremos do exemplo de Jesus que a todos acolhia. Jesus, aquele que apenas tinha palavras e atos de compreensão e amor para os doentes do corpo e da alma. Lembremos desse bom exemplo, desse espírito superior, que sempre acolheu com amor a todos.
Nossa felicidade é a felicidade do outro
Talvez a chave para a felicidade possível enquanto estamos encarnados na Terra esteja expressa na belíssima definição que o espiritismo nos oferece do que seria o homem de bem. Em determinado trecho diz: "Ele encontra satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos".
Troque a palavra satisfação pela palavra felicidade e veja se não faz todo sentido.
Como não ser feliz levando o alívio ao próximo? Essa é a felicidade possível na Terra! E ela não é pouca. Ela é a felicidade real pois de essência divina. É profunda. Fala à alma do ser. Encanta e acalma. Aproxima. Fornece esperança e paz. É serena e contínua. Essa felicidade, a possível na Terra, não se vende em lojas. Tampouco é conquistada com o sucesso. Mas ela está logo ali, ao nosso lado, em nosso relacionamento, em nossa família, em nosso trabalho e com todos os que nos cercam.
Sejamos felizes, fazendo outros felizes.
*Alexandre Caldini Neto é autor dos livros A morte na visão do espiritismo e A vida na visão do espiritismo.
(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)
Alexandre Caldini Neto é autor dos livros A morte na visão do espiritismo e A vida na visão do espiritismo.