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Felicidade: Muito além dos desejos e frustrações

Por Eliana Haddad

Em meio às preocupantes notícias de crimes, corrupção e crises político-econômicas no Brasil e no mundo, a informação de que a Universidade de Brasília iniciaria a partir desse segundo semestre um curso sobre felicidade trouxe uma boa dose de esperança, ao descortinar um cenário mais promissor num palco já tão desgastado pela incredulidade com o bombardeio diário de tantas histórias desanimadoras.

Muito além de grades curriculares para tantos saberes, a iniciativa acena para a necessidade de se discutir caminhos para uma vida pessoal e acadêmica mais equilibrada. Feliz.
Tudo partiu de uma pesquisa realizada com alunos dos cursos de engenharia, tão habituados a fórmulas matemáticas: Você cursaria uma disciplina da grade curricular regular chamada 'Felicidade'? A resposta foi unânime: Sim!


Inspiradas em matérias de sucesso já ofertadas nas universidades norte-americanas de Harvard e Yale, as aulas serão oferecidas a qualquer aluno da graduação da Universidade que estiver interessado, tendo como principais estratégias o diálogo, vivências e dinâmicas de grupo, leituras e construção coletiva de textos, teatro, música, sites, games ou vídeos.


É claro que não se trata de um modelo fechado, uma porta para a tão sonhada felicidade, evidenciando-se que não se ensina ninguém a ser feliz, mas uma interessante troca de experiências, como possibilidades de se atenuar a ansiedade, a solidão e o desconforto quando se percebe invariavelmente que não se consegue ser feliz o tempo todo.


A verdade é que, independentemente de interesses, idades ou condições, na universidade ou não, a felicidade sempre foi e será uma busca natural de todo ser humano, embora nem sempre saibamos o que realmente significa ser feliz.


Vivemos tempos complexos em que o 'ter' sobrepuja o 'ser', estando a felicidade ligada, portanto, a uma visão materialista, de posses e conquistas transitórias, situações momentâneas que nos iludem, enganam. Basta dar uma passada rápida de olhos nas campanhas publicitárias ou nas redes sociais para que fotos e mais fotos de pessoas sorrindo, brindando, satisfeitas em atividades diversas nos transmita a incômoda sensação de que a felicidade – a dos outros – é uma constante, assim como deveria ser também a nossa, merecendo por isso ser sempre 'compartilhada'. Será?


Como então lidar com as dificuldades comuns da vida, conflitos existenciais que raramente aparecem nessa exposição onde cabe tão somente daquilo que é bom, que se idealiza como 'feliz'? Temos milhares de amigos, seguidores, mas quantas vezes nos deparamos com a solidão de nossos pensamentos e sentimentos?


Viver não é um conto de fadas e os relacionamentos também não são modelos do "viveram felizes para sempre". Em busca do idealizado, deixamos de admirar a beleza da luta do dia a dia. A felicidade, assim, torna-se algo distante, que frustra o presente e se esvai por entre nossos dedos, sem percebermos que ela não é o fim, mas sim o caminho. E estava ali, bem junto de nós, com todos os seus desafios e tropeços.
Ao longo do processo histórico da humanidade, a felicidade sempre foi um tema constante da filosofia, da literatura, da religião, da ciência, etc. Pensar sobre a felicidade e o que ela significa é, no mínimo, desafiador. Isso porque ser feliz ou não sempre será uma condição de foro íntimo, muito além das coloridas postagens compartilhadas – com filtros ou não.


O espiritismo nos chama a atenção para o fato de que a felicidade verdadeira não é algo que se deva buscar externamente, mas construção interior, intransferível, trabalho do espírito imortal que somos.
Elaborando-nos pouco a pouco, desde a nossa criação, somos tutelados pela própria imanência da lei divina, que nos lança amorosamente na incrível jornada do processo evolutivo do ser, que vai conhecendo não somente o que o cerca, mas suas reais potencialidades, que se revelam a cada nova experiência num descobrir infinito de si mesmo. Isso é natural, é divino e, tão perfeito projeto que é, exige esforço, um constante trabalho intelectual e moral, para que possamos desfrutar das nossas conquistas. Viver é desafiar-se. Por isso a lógica da existência da reencarnação: é preciso progredir.


E a felicidade nesse progresso? Ora, no século 19, para desenvolver os postulados espíritas na incrível obra que ofereceu à humanidade terrena, perguntou Kardec aos espíritos se o homem poderia gozar de completa felicidade na Terra1. A resposta foi clara. "Não, pois a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra." Não satisfeito, continuou Kardec: Concebe-se que o homem será feliz na Terra, quando a Humanidade estiver transformada. Mas, enquanto isso não se verifica, poderá conseguir uma felicidade relativa? A resposta veio, também, repleta de lógica: "O homem é quase sempre o obreiro da sua própria infelicidade".


Isso significa que a compreensão do nosso grau evolutivo nos permite apenas a felicidade relativa, mas não quer dizer que não possamos alcançá-la. Compreender a nossa atual condição e ter a certeza da nossa finalidade, do nosso destino futuro, podem nos trazer grande alívio para nossas aflições, fazendo com que consideremos a felicidade não apenas como algo a ser atingido, mas como um presente, que já está acontecendo agora, aproveitando da melhor forma essas oportunidades.


É mesmo consolador o simples fato de sabermos que estamos a caminho, fazendo o possível para bem 'curtir' as nossas passadas – nem sempre rápidas, muitas vezes bem trôpegas, mas caminhando sempre.
Com a noção da imortalidade, da responsabilidade dos nossos atos e das novas chances de aprendizado, a vida se torna mais leve, pois sabemos que não poderemos exigir de nós mais do que somos capazes atualmente de fazer, diante da nossa própria condição evolutiva. Aprendendo a ser e a conhecer, podemos caminhar melhor, sem o peso da culpa e do desânimo, trocando-os pela esperança, pela persistência e alegria de servir.


"Aquele que se acha bem compenetrado de seu destino futuro não vê na vida corporal mais do que uma estação temporária, como parada momentânea numa hospedaria de má qualidade. Facilmente se consola de alguns aborrecimentos passageiros de uma viagem que o levará a tanto melhor posição, quanto melhor tenha cuidado dos preparativos para empreendê-la", esclarecem os espíritos2.
Fica evidente assim quanta infelicidade podemos atrair para nós pelo simples fato de não compreendermos a lei natural, divina, que nos impulsiona amorosamente para a realização, porque essa é a sua finalidade. É por isso que nos tornamos mais felizes quando nos aproximamos dela e infelizes e aflitos quando dela nos afastamos.


Nesse raciocínio, observou sabiamente Kardec que a felicidade terrestre era relativa à posição de cada um e o que bastaria para a felicidade de um, constituiria a infelicidade de outro. Ele quis saber, então, dos espíritos se haveria algum critério de felicidade comum a todos os homens. A resposta, aparentemente simples, constitui-se num verdadeiro convite a todos nós à disciplina, reflexão e mudança de hábitos, se quisermos ser felizes mais depressa: "Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à vida moral, a consciência tranquila e a fé no futuro."

1 O livro dos espíritos, p. 920, FEB.
2 idem, p. 921.

 
Aprendendo sobre a felicidade

Professor formado em filosofia pela Universidade de São Paulo, o expositor de filosofia espírita Carlos Simões ministrará gratuitamente a partir de agosto um curso modular sobre o tema 'Felicidade', no Núcleo de Filosofia Espírita, em São Paulo1.
Perguntado sobre o tema, professor Simões destaca que falar sobre felicidade requer cuidado. "É necessário que o rigor filosófico seja acessível à compreensão de todos, evitando-se ao mesmo tempo o simplismo diluidor e condicionante do modismo da autoajuda, em seu teor perigosamente individualista".
Para ele, refletir sobre a felicidade é fundamental, no que se refere à filosofia espírita. "Com ela se constrói o edifício ético-moral da compreensão e a necessidade do conhecer-se a si mesmo, mediante o modo de vida adotado pelo ser em evolução, e em conformidade aos ditames divinos inscritos em sua consciência."
A felicidade supõe uma transformação que implica a vida de relação com o outro", explica.
Para a filosofia espírita, amar a Deus acima de todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo equivale a conhecer a Deus acima de todas as coisas e conhecer ao próximo como a si mesmo. Somente assim se é feliz.

Para o espiritismo, a compreensão da felicidade estaria ligada à evolução do espírito, que se atualiza e se afirma pelo processo histórico, sendo sua construção realizada paulatina e progressivamente pela conscientização do que seja necessário, consciência tranquila e fé no futuro, já que se reconhece como um espírito em evolução, candidato à sublimação infinita de si, desenganando-se e conhecendo-se ainda mais.

1 Informações: www.nef.net.br

 

A felicidade para Léon Denis

O objetivo da evolução, a razão de ser da vida, não é a felicidade terrestre, mas o aperfeiçoamento de cada um de nós, e esse aperfeiçoamento devemos realizá-lo por meio do trabalho, do esforço, de todas as alternativas da alegria e da dor, até que estejamos inteiramente desenvolvidos e elevados ao estado celeste.
Se há na Terra menos alegria do que sofrimento, é que este é o instrumento, por excelência, da educação e do progresso, um estimulante para o ser, que sem ele permaneceria retardado nos caminhos da sensualidade.
A dor física e moral forma nossa experiência. A sabedoria é o prêmio.
(...) Assim, a vida do ser consciente é uma vida de solidariedade e de liberdade. A lei de justiça requer que todas as almas sejam emancipadas, libertadas da vida inferior. Cada ser que chega à plena consciência deve trabalhar para preparar aos seus irmãos uma vida suportável, um estado social que apenas comporta a soma de males inevitáveis. Esses males, necessários para o funcionamento da lei de educação geral, nunca deixarão de existir em nosso mundo. Eles representam uma das condições da vida terrestre.

A matéria é o obstáculo útil; ela provoca o esforço e desenvolve a vontade, contribui para a elevação dos seres, impondo-lhes necessidades que os obrigam a trabalhar.

E como poderíamos conhecer a alegria sem a dor? Como poderíamos apreciar a luz sem a sombra? Como poderíamos saborear o bem adquirido, a satisfação alcançada, sem a privação? Eis por que as dificuldades são encontradas de todas as formas em nós e ao nosso redor.
A luta do espírito contra a matéria é um grande espetáculo.

Fonte: O problema do ser, do destino e da dor, FEB.

(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)