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Como me tornei espírita

Por Herminio Miranda

Eu me vira, de repente, sem uma religião específica, e isso de certa forma me incomodava. O rótulo de católico não me servia mais, e eu não tinha outro para colar por cima. O de protestante não me assentava, não sei por que misteriosas razões... Quanto ao de muçulmano ou budista, deles não cogitara. O de ateu me repugnava liminarmente; o de espírita não me ocorrera ainda considerar, mesmo porque ficara em mim um resíduo de desconfiança, depositado por sermões e prédicas, advertindo quanto aos ‘perigos’ dessa ‘seita’ patrocinada pelo demônio. 

Enquanto isso, eu percorria regularmente as páginas do Evangelho e voltava a examiná-las nos pontos de meu maior interesse, especialmente as epístolas de Paulo, que mais me atraíam, se bem que muitos aspectos de seus ensinamentos me parecessem obscuros ou mesmo incompreensíveis. 

Eu entendia que me faltava uma chave qualquer, com a qual pudesse abrir portas e cofres, que certamente guardariam riquezas de sabedoria. Foi somente pelos 35 anos de idade que comecei a examinar com seriedade a doutrina que os espíritos haviam transmitido a Allan Kardec. 

Não houve dificuldade alguma na aceitação daqueles conceitos. Iam tendo ressonância em minha mente, como coisas que eu conhecia e que estava apenas transplantando de alguma gaveta secreta do inconsciente para a consciência de vigília. Restava um sério problema a resolver. Minha mãe permanecia católica convicta e praticante. Fiel à sua maneira de ser, considerando com sérias reservas tudo quanto se referisse a espíritos e espiritismo. Eu não queria magoá-la. 

Guardei para mim minhas convicções, pois afinal de contas nosso Deus era o mesmo, como também nosso Evangelho, do mesmo Cristo, que ambos amávamos, cada um a seu jeito. Mas eu queria escrever sobre as coisas que agora circulavam pela minha mente. Queria transmitir um pouco daquelas ideias que vieram dar sentido às minhas aspirações. 

Em dezembro de 1956, com 36 anos de idade, fiz minha estreia como bisonho e tímido articulista, nas páginas da revista Reformador, que me abrigaria durante 24 anos. Os primeiros trabalhos saíram apenas com as iniciais de meu nome. Contudo, senti-me, no dever de escrever-lhe uma carta aberta, a fim de explicar-lhe como e por que me tornara espírita, chamada “Carta à mãe católica”. 

Anos depois de sua partida para o mundo espiritual, Divaldo Pereira Franco, o querido amigo e médium baiano, transmitiu-me um recado que ele não estava entendendo, mas que reproduziu fielmente. Apresentara-se à sua vidência uma senhora, cuja aparência ele descreveu, que lhe pedia para dizer a João Marcus — e apontou para mim — que lera com muita emoção minha carta e agradecia as palavras de carinho. 

“Quem é João Marcus? — perguntou ele? 

Expliquei-lhe, sob o impacto das emoções, o que tudo aquilo queria dizer. Outros recados ela me mandaria. Certa vez, quando eu atravessava um período de grandes aflições, ela comunicou-se pela psicografia. Levou para a vida no além o hábito de escrevê-las, com a mesma beleza e a mesma e naturalidade como quem conversa. E disse: 

“Um coração de mãe é como uma fonte, donde o amor jorra constantemente, num fluxo ininterrupto que se perde pela eternidade afora. Sabes que jamais me senti à vontade com as letras. De certa forma, elas sempre me intimidaram. Agora sei que era o receio que meu espírito trazia de desviar-se do trabalho que deveria fazer. 

Agradeço-te, meu filho, seres o que és. O teres prosseguido nas convicções de tua fé, apesar do respeito e amor por mim. Não esmoreça, filho. Se muito não pude dar-te, ao menos dei-te o exemplo da tenacidade e perseverança, confiando na vida e acreditando nos meus deveres. 

Aqui aprendemos que não existem separações de famílias ou convenções de sociedade. Todos se identificam pelos anseios, esperanças ou dores. 

Não permita que a adversidade te afaste do caminho de teus deveres para com o Cristo e para com a tua fé. Tu sabes, melhor do que eu, o que ela vale. Prossiga, filho. Teu coração está guardado no meu coração. Agradeço a Jesus a oportunidade e rogo por ti, para que o Senhor te recolha em seu regaço e te embale a cabeça cansada, acalentando-te na sua paz. 

Todo o amor de meu coração humilde. Helena, tua mãe.” 

Fonte: Nossos filhos são espíritos, Herminio Miranda, Lachâtre.