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Cartas de Chico Xavier são analisadas por métodos estatísticos

Por Eliana Haddad

Durante mais de duas décadas, Chico Xavier escreveu em sessões públicas de psicografia cartas que consolaram famílias, revelando que a vida realmente continuava para os entes queridos que partiam. Frequentemente destinados aos pais, maridos e esposas abalados com a perda, muitos desses textos estão registrados em vários livros de editoras espíritas, que documentam inclusive as evidências de personalidade dos autores espirituais, identificadas através de detalhes particulares, segredos, gírias, apelidos, citações etc.

Desde 2010 o pesquisador Ademir Xavier está desenvolvendo um trabalho de compilação de parte desse material publicado, analisando através de métodos estatísticos 159 cartas particulares psicografadas pelo médium mineiro, com base em algumas medidas extraídas de cada texto, tais como: o número de palavras, a "causa mortis" e a idade do comunicante, a data da mensagem e de falecimento, o ‘anfitrião’ que recebeu o comunicante após sua desencarnação e número de citações.

“A ideia é permitir que várias correlações sejam investigadas, o que fornecerá um quadro da riqueza de informação contida nas comunicações privadas psicografadas pelo médium na divulgação do espiritismo”, explica Ademir.

O objetivo principal do estudo é extrair e catalogar atributos do maior número possível de cartas psicografadas, ressaltando o conteúdo de citações e informações, dividindo-as em várias classes. Com a tabulação do conteúdo desses textos, será possível fornecer, segundo o pesquisador, um índice e arquivo correspondente para as cartas, cuja base poderá ser disponibilizada para outros interessados. “Poderemos, por exemplo, compreender melhor, a partir do estudo, os processos envolvidos em mediunidade psicográfica”, ressalta Ademir.

Chico dizia que o telefone tocava de lá pra cá. Muitas vezes, sem saber quem era o espírito que dele se aproximava e queria se comunicar, perguntava à pessoa interessada que receberia o ‘recado’ do telefone: “Sabe quem é fulano de tal?” Tinha muito cuidado, afinal, de não endossar qualquer conversa.

As cartas de Chico aliviaram muitos lutos familiares e acabaram por encaminhar muita gente ao espiritismo, tornando-se, inclusive, referência na assistência social, fundando muitas casas espíritas, como ocorreu com dona Yolanda César, que desencarnou em agosto passado, e que, por várias vezes, confessou ter sido devolvida à vida depois de 39 anos de luto, quando começou a receber através de Chico as cartas de seu filho Augusto César.

Como é fato comum nas cartas ter a citação de nomes de vários parentes, além de seus apelidos, inclusive desencarnados, algo para o que os céticos torcem o nariz, argumentando em torno da possibilidade de o médium ter tido acesso a essas informações por meio de parentes próximos, que, em algumas ocasiões, com ele conversavam antes das sessões, a pesquisa de Ademir Xavier em termos estatísticos revela dados bem diferentes, que fazem refletir.

“Ainda que seja possível que uma ou outra informação tenha sido proferida por algum parente em determinadas ocasiões, é absolutamente impossível que isso tenha se verificado em todas elas e no mesmo grau”, conclui o pesquisador, cujo objetivo está sendo justamente mostrar que a quantidade de informação contida nas cartas adquire uma dimensão imensurável quando o conteúdo frequentemente despercebido pelos céticos é levado em consideração. “Com isso, é muito difícil imaginar como esse tipo de informação pode ter sido transmitido de uma fonte qualquer que não o comunicante”, afirma.

Outra questão considerada é a existência de frases sintéticas que só podem ser corretamente decodificadas pelos parentes, a presença de intenção claramente demonstrada em inúmeras cartas, que também exige um processo de ‘decodificação’, algo mais complexa por parte de parentes muito próximos e a referência a situações que só foram descobertas depois do falecimento do comunicante, ou que eram conhecidas apenas por poucos familiares. “Tudo, em conjunto com o número de citações, inclusive de apelidos de falecidos, torna o fenômeno das cartas particulares por Chico Xavier de uma riqueza inestimável para a literatura espiritualista e para o apoio à tese da sobrevivência”, assinala.

Ele esclarece que a pesquisa só está começando e que o objetivo do trabalho não é simplesmente teorizar sobre o processo de comunicação mediúnica, mas que este estudo pode prover subsídios para uma melhor compreensão dos mecanismos desse processo tal como ele se apresenta a partir dos dados disponíveis, demonstrando o caráter científico da pesquisa da sobrevivência.

Com a palavra, o pesquisador

Por que você resolveu fazer essa pesquisa?
Ademir Xavier – A existência das comunicações particulares coloca um problema sério para os céticos, que contestam a possibilidade das comunicações. É que, por conterem elementos facilmente comprováveis, em um sentido específico do conteúdo da mensagem e no contexto em que são produzidas, elas são, no nosso entender, uma das mais graves anomalias presentes para o "status quo" científico que simplesmente despreza sua existência. Existem muitos textos que falam de possíveis aberrações na psicologia de médiuns ou teses de fraude, mas são escassas as tentativas de se estudar o fenômeno mediúnico tal como ele ocorre, de fato. Como poderemos desenvolver e aplicar um fenômeno ao se partir de sua explicação equivocada? Então, decidimos criar uma abordagem sistematizada para tentar investigar os fatos tais como eles nos apresentam, dando valor a esses dados. Em conversas com Alexandre Caroli Rocha acabamos desenvolvendo o tema dessa pesquisa. Sou agradecido também a Elizabeth Freire (Universidade de Aberdeen, Escócia) que nos indicou um caminho para o tratamento sistemático dos dados. Faz bastante tempo que nos interessamos pelas cartas em si, e a possibilidade de fazer um trabalho com elas desde 2010, com o conhecimento adquirido no tratamento de dados, somente aumentou nossa expectativa em direção a sua realização de fato.

Qual a importância do resultado dessa pesquisa para o espiritismo e para a ciência?
A literatura mediúnica pode ser dividida em duas grandes classes: a de textos produzidos por autores espirituais em temas próprios sobre princípios doutrinários, na forma de dissertações dirigidas ou romances, histórias e estudos etc, e outra grande classe, a das mensagens particulares. Kardec em "Céu e inferno", (nota de rodapé do capítulo 1, “O passamento” na parte II) nos fala que o primeiro caso corresponde aos ensinos das grandes autoridades do plano espiritual, enquanto que a segunda se refere às “pessoas comuns”, “gente como a gente” que viveu muitas vezes uma vida obscura ou totalmente ligada a um grupo familiar restrito. Se a primeira classe traz a teoria, da outra vem a prática. Aprendemos muito com os grandes mestres de além-túmulo, mas é através da narrativa de Espíritos que tiveram uma vida parecida com a nossa é que podemos compreender, de fato, o processo da desencarnação e o estado de felicidade ou infortúnio em que nos encontraremos depois desta vida. É nesse tipo de narrativa onde achamos a validação dos princípios e leis espirituais que governam o destino dos seres além-túmulo. Esse estudo das cartas é de grande importância, não tanto para o movimento espírita que já está convencido de sua realidade e real origem, mas para aqueles que consideram a sobrevivência uma possibilidade real. Mas, uma considerável parcela da sociedade simplesmente desconhece a montanha de informações e dados que se pode obter por meio do uso correto da mediunidade. E mais ainda, mesmo hoje, podemos encarar a necessidade de se desenvolver novos métodos para o estudo da mediunidade. Então, ao se propor uma linha de pesquisa na área de análise das cartas, estamos sistematizando e adaptando procedimentos e métodos já consagrados em apoio a uma área onde muito ainda resta para ser feito. Acho que essa segunda razão é, talvez, a mais importante, uma vez que a pesquisa iniciada por Allan Kardec ainda não está finalizada.

Como as pessoas (espíritas ou não) podem colaborar com você?
O trabalho consiste na catalogação de diversos dados e sua posterior análise. Isso não pode ser feito sem ajuda de computadores, uma vez que esses são dispositivos criados principalmente para tratar dados. Por outro lado, nem todas as mensagens estão, de fato, publicadas. Então, após a fase de catalogação, a disponibilização dos dados dos autores (informação como data de nascimento, parentesco, "causa mortis" etc), pode motivar as pessoas a ajudarem na busca de dados faltantes. Isso porque, muita coisa foi perdida no processo de registro em papel das cartas e não iremos ter, no final, um banco de dados absolutamente completo e sem falhas. Além disso, no caso das comunicações particulares de Chico Xavier, as histórias anteriores estão “se perdendo” paulatinamente com o tempo, à medida que os personagens envolvidos tomam outros rumos, parentes falecem etc. Acho essa uma grande oportunidade de interação com o grande público, que tem certa afinidade com as histórias reais e os dramas subjacentes às cartas. Espero poder contar com esse tipo de ajuda.

Pesquisador Ademir Xavier

Qual o papel da pesquisa de um modo geral para o espiritismo?
Pesquisar significa aplicar, de uma forma sistemática, o conhecimento presente sobre um tema para gerar mais conhecimento sobre esse tema ou aqueles que lhe são correlatos. Dado o caráter progressivo do espiritismo, ele, naturalmente, deve incorporar a pesquisa em suas práticas. Dito isso, há que se distinguir entre pesquisar os diversos temas espíritas no âmbito de seu paradigma próprio e tentar validar esse paradigma de acordo com métodos e procedimentos de pesquisa que não estão de acordo com ele. Isso significa que o caráter progressivo da doutrina espírita não se restringe apenas à ampliação de seu corpo de conhecimento, mas também à criação de novos métodos, dada a natureza altamente especial de seu objeto de estudo, que é o espírito. Creio que, cada vez mais, o tema da comunicabilidade e reencarnação poderá ser estudado sem preconceitos, uma vez que a ciência moderna, em que pesem todos os milagres que ela conseguiu fazer com suas descobertas, está em uma encruzilhada com relação ao seu futuro. Esgotaram-se as possibilidades de desenvolvimentos teóricos nos paradigmas presentes, boa parte do desenvolvimento científico atual (leia ‘recursos financeiros’) está voltada para aplicações tecnológicas onde o risco é menor e os retornos são garantidos. Então, na grande área de fronteira da ciência com a filosofia, a consciência e a possibilidade da sobrevivência surgem como temas naturais frequentemente desprezados, que contam com grande apoio popular. Os casos de “experiências de quase morte” são temas recorrentes exibidos pelas grandes mídias. Além disso, não podemos nos esquecer de que a imensa maioria da população mundial acredita na sobrevivência (por influência das diversas religiões) então, por que não estudar esse tema, que talvez, no dizer do eminente psicólogo americano William James, seja o que há de mais importante para a raça humana?

(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 453, set./ out. 2013)