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Afinal, o que é magnetismo?

Por Alexandre Fontes da Fonseca* 

É correto falarmos magnetismo e passe magnético na doutrina espírita?

Passados 160 anos de doutrina espírita, podemos dizer que não é atual usarmos a palavra magnetismo para expressar fenômenos espíritas como o passe, a cura, a ação da prece à distância, ou a simples transmissão, transfusão ou troca de fluidos entre as pessoas. Isso porque a palavra 'magnetismo' se tornou conhecimento científico apenas em física e com significado bem próprio e distinto daquilo que outrora chamavam por 'magnetismo animal'.
Magnetismo animal não é um fenômeno magnético como a ciência entende hoje: um tipo de força entre partículas de carga elétrica que estão em movimento ou decorrente de uma propriedade quântica de partículas microscópicas chamada spin1,2. O magnetismo animal é um fenômeno de interação entre as pessoas através de passes e imposição de mãos, cujos mecanismos, hoje, só o espiritismo explica, baseando-se na existência e propriedades do fluido universal. Por essa razão, o Espírito E. Quinemant, na Revista Espírita (junho/1867), afirma que o magnetismo é "uma variedade do espiritismo, na qual Espíritos encarnados agem sobre outros Espíritos encarnados." O espiritismo ensina que a modificação das qualidades dos fluidos se dá através da ação do pensamento, assim explicando a eficácia do que outrora chamavam de magnetismo.


Em A gênese


Em particular, no item 33, do capítulo 14 de A gênese, o espiritismo define os conceitos de magnetismo humano, magnetismo espiritual e magnetismo misto em termos puramente espíritas. Isso demonstra a excelência da doutrina espírita como teoria capaz de explicar todos os fenômenos psíquicos3,4.
Na atualidade, precisamos corrigir o hábito de chamar de magnético o passe ou prática similar, lembrando que Kardec ressalta em A gênese que podemos corrigir, sim, certos conceitos: "Caminhando com o progresso, o espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem que está errado em um determinado ponto, ele se modificaria sobre esse ponto; se uma nova verdade se revela, ele a aceita."
O movimento espírita, na verdade, já fez isso. Já corrigimos hábitos de se usar determinadas palavras presentes nas obras fundamentais do espiritismo. Embora tenham sido utilizadas por Kardec na codificação, evitam-se, por exemplo, as palavras 'punição' e 'castigo', que não refletem o entendimento doutrinário correto em torno dos seus significados. Sabemos que Deus não pune, nem castiga, e só permite o sofrimento e a expiação para educar de forma similar ao remédio amargo que cura. Todos entendemos que essas palavras foram usadas por serem comuns à época de Kardec. Aqui, propomos o mesmo: que se evite a palavra magnetismo no movimento espírita por entendimento que ela não serve mais para explicar nenhum conceito espírita em nossa época atual. Assim como ninguém precisou corrigir as obras de Kardec por causa das palavras punição e castigo, mas apenas evitar de utilizá-las nas explicações espíritas, o mesmo é proposto com relação a palavra magnetismo.

Kardec já sabia que o termo magnetismo era inadequado para denominar o fenômeno5. Ele o utilizou em sua época apenas porque a palavra e o conceito eram atuais e conhecidos. Naqueles tempos, o magnetismo animal era uma área do conhecimento com muitos adeptos, promissora para se tornar uma área científica, o que, acabou não ocorrendo.
Não podemos ser simplistas no movimento espírita, a ponto de acharmos que isso tudo não tem importância, sendo apenas uma questão de palavras, podendo-se usar o termo magnetismo sem problemas. Como nem todos conhecem o espiritismo, ao ouvirem a palavra magnetismo sendo usada no meio espírita, estabelecem a referência direta ao conceito de magnetismo da física. E aqui aparece a grande dificuldade: ao notarem que não existe qualquer relação entre o magnetismo da física e aquilo que se pratica no meio espírita, formam uma má opinião a respeito dos espíritas, como se estivessem desatualizados.


A razão e o bom senso


A doutrina espírita destaca a importância da fé raciocinada. Kardec diz que a base da fé raciocinada "é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer." (item 7, cap. 19 de O evangelho segundo o espiritismo) Se nós, espíritas, não sabemos direito o que é o magnetismo, segundo o conhecimento da física, como usar uma palavra, cuja inteligência perfeita não temos, para descrevermos um fenômeno que tem explicação apenas pelos conceitos espíritas? Essa é uma prática equivocada.
Kardec disse na Revista Espírita (janeiro/1869) que o magnetismo e o espiritismo eram duas ciências irmãs gêmeas. Mas é preciso que se leia uma frase à frente, quando ele diz que "são reciprocamente como a física e a química, a anatomia e a fisiologia." Ninguém nega que essas são ciências irmãs. Mas nunca foram gêmeas! Se o magnetismo e o espiritismo "são reciprocamente como a física e a química, a anatomia e a fisiologia" então certamente não são gêmeas. A palavra 'gêmeas' no texto não significa a mesma ideia que temos hoje, de serem praticamente iguais em tudo ou quase tudo. Os pares física e química e anatomia e fisiologia são pares de ciências bem distintas entre si, com teorias, regras, critérios bem diferentes. Às vezes, elas têm em comum alguns objetos de estudo, mas suas abordagens são distintas.
Kardec quis apenas dizer que o magnetismo e o espiritismo são ciências que tratam de assuntos semelhantes, que têm alguns objetos de estudo em comum, mas com certeza o espiritismo é uma doutrina muito mais completa que a teoria do magnetismo animal, e vai mais além ao descrever não somente os fenômenos do passe e curas, mas todas as leis morais e que dizem respeito ao progresso da alma. O próprio Quinemant, em trecho de mensagem acima citada, afirma de modo claro que "O magnetismo é, pois, um grau inferior do Espiritismo, ..." E verifiquem que Kardec faz elogios ao conhecimento desse Espírito.
Por fim, é preciso esclarecer que a proposta de se evitar a palavra magnetismo não significa evitar a prática espírita do passe (Veja quadro abaixo). O passe, a cura, a imposição de mãos, as técnicas estudadas até o presente podem e devem ser utilizados, já que independem do nome que se dê ao fenômeno. Em havendo necessidade de dar a esses fenômenos um nome ou um adjetivo, que chamem de 'espiritismo' aquilo que no meio espírita costumam chamar de 'magnetismo', e chamem de 'fluídico' aquilo que geralmente chamam de 'magnético'.

 

Bibliografia
1 D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos da física, Vol. 3, Eletromagnetismo. LTC, 2009.
2 R. Eisberg e R. Resnick, Física quântica - Átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas. Campus, 1979.
3 A. F. da Fonseca, Jornal de Estudos Espíritas 6, 010204 (2018). http://dx.doi.org/10.22568/jee.v6.artn.010204
4 A. F. da Fonseca, Jornal de Estudos Espíritas 6, 010205 (2018). http://dx.doi.org/10.22568/jee.v6.artn.010205
5 A. Kardec, Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. Pensamento, 1999.

 

Alexandre Fontes da Fonseca é físico, mestre e doutor pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutor pela University of Texas em Dallas. Professor de Física da Universidade Estadual de Campinas. Espírita, atua como 2º vice-presidente da USE-Regional Campinas, membro da LIHPE e editor do Jornal de Estudos Espíritas.

A ação do passe


Veja algumas dúvidas sobre o tema, respondidas por Alexandre Fonseca ao Correio Fraterno

 

O que ocorre no passe?
O passe é transmissão de fluidos. Os fluidos espirituais obedecem ao pensamento do Espírito encarnado ou desencarnado. Quando impomos as mãos e pensamos e desejamos o bem para o assistido, com ajuda dos bons Espíritos, modificamos o fluido universal ao nosso redor e o movimentamos em direção ao assistido. Trata-se de fenômeno fluídico.

 E no tratamento espiritual para doenças físicas?
O processo é o mesmo. O fenômeno da cura consiste da ação positiva do fluido universal modificado pela ação do pensamento e da vontade no bem, sobre a saúde do doente. Igualmente, o fluido universal modificado pode se propagar e atingir um assistido distante. Na mediunidade de cura, o fenômeno consiste da ação dos bons Espíritos sobre o fluido vital do médium, impregnando-o de qualidades curadoras.

Qual a análise da ciência sobre o passe?
Por enquanto, a ciência pode analisar apenas empiricamente os efeitos da prece e do passe sobre os doentes. Analisa, por exemplo, como e quanto tempo um grupo de doentes leva para obter a recuperação ao receber, além do tratamento normal, o auxílio da prece ou do passe e compara com grupos de doentes em condições semelhantes que não recebem. A ciência não tem como detectar e medir as propriedades físicas dos fluidos espirituais.

Qual o papel do passista, da equipe espiritual e do assistido?
Segundo o espiritismo, passista e equipe espiritual atuam através de seu pensamento e vontade firmes no bem, na modificação do fluido universal, para impregná-lo de qualidades boas, que irão agir de modo positivo sobre o assistido. Este, por sua vez, precisa estar com o pensamento receptivo e ter fé na bondade divina, para absorver e manter esses fluidos com as boas qualidades em seu perispírito. Se o assistido não tiver fé ou não cultivar bons pensamentos, os bons fluidos recebidos no passe, se absorvidos em seu perispírito, serão modificados por ele mesmo em seu desfavor.

Há diferença entre o passe espírita e outras técnicas de imposição de mãos?
Sabemos pelo espiritismo que no universo existem apenas dois princípios gerais, o 'princípio inteligente' e o 'fluido universal'. Embora descrito por meio de outros símbolos e conceitos, as respeitáveis técnicas de imposição de mãos de outras doutrinas podem também ser entendidas em termos espíritas, isto é, pela ação do 'princípio inteligente individualizado' sobre o 'fluido universal', impregnando-o das qualidades boas do pensamento no bem, e direcionando-o em favor de quem precisa de ajuda. Vejam questão 628 de O livro dos espíritos.

(Baseado no capítulo 14 de A gênese, e questão 27 de O livro dos espíritos).

(Avaliação original publicado no Jornal Correio Fraterno)