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Para que o mal triunfe, basta que os bons cruzem os braços

Por Eliana Haddad

Luís Eduardo Girão, senador, empresário e espírita

“Para que o mal triunfe, basta que os bons cruzem os braços”. A frase é do filósofo e político irlandês Edmund Burke. Uma reflexão que enaltece a importância da disposição daqueles que acreditam e agem para a construção de um mundo melhor. Há mais de 10 anos, o empresário espírita Eduardo Girão engajou-se nos bastidores da política, posicionando-se a favor da vida, no momento em que a tentativa de se descriminalizar o aborto tomava fôlego no país. Eleito senador pelo Ceará na últimas eleições, ele fala sobre os desafios a serem enfrentados nesse delicado momento por que passa o País e conta o que o motivou logo na primeira semana de trabalhos no Senado a desarquivar a Proposta de Emenda à Constituição da Vida para adicionar ao texto a questão da vida ser inviolável desde o momento da sua concepção.

Empresário, ex-presidente do Fortaleza Esporte Clube, produtor de cinema e teatro, o que o levou a entrar também para a política?

A vida foi me convidando para o serviço. Mal sabia que a espiritualidade estava me reservando a entrada na política, por mais que relutasse a minha vida inteira, embora atuasse em seus bastidores pela preservação de causas humanas, na defesa da vida, contra o aborto, contra as drogas, contra a jogatina e as armas de fogo. Sempre fui muito tímido e nunca passou pela minha cabeça um dia me candidatar a nada, apesar de muitos convites. Até que em 14 de fevereiro de 2018, passei por uma situação familiar, no exterior, muito dramática. Um garoto entrou na escola da minha filha com uma arma de fogo, disparou, matando 17 adolescentes e professores. Ela foi poupada e estava bem próxima de tudo. Para mim, ali, foi o chamamento. Por gratidão a Deus, cresceu em mim a vontade de retribuir, trabalhando para o meu semelhante. E senti que a política era algo que não poderia deixar de tentar.

Como foi a preparação para ser senador da República com mais de um milhão de votos?
Inesperado. Penso que Deus usou as pessoas de bem, de bom coração, que queriam mudança e que queriam renovação. Não tenho dúvida de que houve aí algo muito transcendental, o que aumenta a minha responsabilidade de fazer o que é certo e me dedicar no limite das minhas forças, como ensina a questão 642, de O livro dos espíritos. Nunca tinha sido candidato a nada, nem a síndico de prédio, e acabei senador eleito pelo Estado do Ceará, terra de doutor Bezerra de Menezes, o grande político humanista, em quem muito me espelho e longe do qual estou a anos-luz. Estou entusiasmado, com muita vontade de acertar.

Como espírita, em que o senhor se diferenciou na sua campanha?
Combatemos o bom combate, dentro da ética, dentro dos nossos princípios e valores durante a campanha. Apesar de ter visto os que queriam ganhar a todo custo, e mesmo sabendo da dificuldade que seria uma eleição dessa, em que todos diziam que eu deveria mostrar as falhas do outro lado, ser mais agressivo, eu disse: se for para ganhar assim, prefiro não ganhar. Vamos trabalhar com a nossas armas, com ética, serenidade. Se tivesse que acontecer, a espiritualidade colocaria a mão.

 Que diferença pode fazer um espírita no Senado?
Colocar em prática aquilo que já sabe e acredita, sem querer doutrinar ninguém. Sem querer ser dono da verdade, retratando nas suas atitudes as verdades que conhece da relação entre os mundos espiritual e material, da vida após a morte. Tudo com paciência, respeito, compreendendo cada um como sendo um filho de Deus, um irmão em Cristo. Por mais que tenham um passado de erros, temos que acreditar no ser humano e não julgar. Meu objetivo é servir, mas também me melhorar. Saber ouvir, tentar tocar o coração dessas pessoas sobre algumas pautas, que pensamos diferente, tentando levar outro olhar sobre algumas questões e lembrando que estamos plantando algo do qual depois iremos sofrer suas consequências. É preciso tentar fazer a diferença, posicionando-se com coragem e não abrir mão de certos princípios. A guerra é espiritual, ela não é entre os homens, não é material. No Congresso Nacional, a energia é densa, de muitos interesses. Conto com as vibrações positivas de todos, para que tenhamos cada vez mais próxima a Regeneração e que o Brasil se torne o coração do mundo, a Pátria do Evangelho.

Como o senhor avalia a participação dos espíritas na política?
Já tivemos grandes parlamentares espíritas no Brasil: Eurípedes Barsanulfo, Freitas Nobre, Cairbar Schutel, Bezerra de Menezes, muitos nomes que são referências e que foram também passíveis de erros, como todos nós. É uma grande prova e a gente procura se espelhar nesses grandes homens de bem que por aqui passaram, tentando enfrentar nossas limitações e imperfeições, refletindo sobre o que Jesus faria em algumas situações. Vivemos um momento muito importante, tempos realmente de grande renovação.

Como conciliar ideais políticos pessoais com as direções partidárias?
Vejo isso de forma muito tranquila, porque é bom ouvir um grupo partidário, estar numa agremiação, mas jamais vou abrir mão da minha liberdade, dos valores, dos princípios que me norteiam. Acredito também que é importante ter candidaturas avulsas, independentes. Você não precisa entrar em partido para disputar uma eleição. Isso é muito democrático, já acontece em outros países, um avanço no meu ponto de vista. Já tentei fundar com um grupo de pessoas de São Paulo, do Nordeste e de outros estados um partido político, o PAZ, dedicado a ativistas da paz, pela vida. Quem sabe esse partido possa ocorrer nos próximos anos. 

Como a bancada do Senado tem visto o senhor, como espírita?
As pessoas me respeitam muito. Não sou de ficar me rotulando ou rotulando algum colega porque é evangélico ou católico. Procuro colocar na prática o que a gente acredita, e alguns deduzem, perguntam qual a minha religião e aí eu digo. Muitos até acham que sou de outra corrente religiosa, porque falo muito em Deus e em Jesus e essa ousadia está mais marcada de uma forma pública pelos evangélicos. É muito interessante esse relacionamento e acho que temos que andar juntos, católicos, evangélicos, espíritas, budistas. Temos que ver o que nos une, ampliar as nossas convergências. O aborto não foi legalizado no Brasil graças a essa união

Como se tornou um ativista a favor da vida?

O assunto do aborto e das armas de fogo me tocaram profundamente a alma em 2003, depois de contatos com parlamentares, pela curiosidade de saber como poderia ser essa defesa da vida. Então me senti chamado para servir. É muito bacana isso, a oportunidade de aprendizado, de participar de marchas, de fazer filmes, de fazer documentários, peças de teatro, palestras, seminários. Isso foi me trazendo muita luz, conhecimento, motivação para levar para as pessoas um outro olhar.

Logo nas primeiras sessões do Senado deste ano, o senhor conseguiu paralisar a pauta de aprovação do aborto no Brasil. Quais os próximos passos?
Tivemos a bênção de resgatar a Proposta de Emenda à Constituição da Vida (nº29, de 2015), que coloca como cláusula pétrea que o direito à vida é inviolável 'desde a concepção'. Esse complemento acaba judicialmente com as tentativas de se legalizar o aborto. O povo brasileiro já disse que os valores dele são contra o aborto. E nós estamos aqui para legislar. Será uma grande conquista para que o Brasil não manche a sua linda bandeira com o sangue de inocentes, e de mulheres, porque no aborto não é apenas a criança que é vítima, que é assassinada, mas também a mulher, que fica com traumas, de ordem mental, psicológica, emocional e física. Com propensão a crises de depressão, ansiedade, a maior envolvimento com álcool e drogas e até o suicídio.

Qual sua análise sobre o momento atual do Brasil?
Houve uma grande transformação no Congresso, especialmente no Senado. É um momento riquíssimo. Mas ao mesmo tempo muito delicado, porque não podemos transformar Brasília em uma 'Bastilha'. Os poderes estão sendo investigados. Há uma demanda da sociedade brasileira. São denúncias robustas. E o único poder que tem a prerrogativa para fazer isso é o legislativo através do senado. Estamos vivendo um problema grave de crise política, econômica e social, com 13 milhões de desempregados. Mas a mãe de todas crises é a crise moral e essa deve ser debelada prioritariamente.

 Como os espíritas podem participar mais ativamente na condução das pautas político-sociais e econômicas do Brasil?
Pelos conhecimentos que possui da encarnação, da comunicação com os Espíritos, da pluralidade das existências, dessa relação do mundo espiritual e material, causa e efeito. Os espíritas têm papel fundamental na condução do país. Acho que nós tivemos algum problema em outras vidas por utilização equivocada no poder e do dinheiro e hoje a gente fica muito receoso de errar de novo. Penso que o espírita tem que participar da política. Não podemos nos omitir. O estadista, Edmundo Burke (1729-1797) tem uma frase bastante interessante: "Para que o mal triunfe, basta que os bons cruzem os braços". Platão, antes de Cristo, também disse que "o destino das pessoas boas e justas que não gostam de política é serem governadas por pessoas não tão boas e não tão justas que gostam de política". É um convite ao serviço, a fazer a caridade em maior escala através da política humana, uma grande oportunidade. A gente sabe do trabalho que os espíritas têm desenvolvido nas outras áreas sociais, no terceiro setor. Chegou a hora de entrar na política, com coragem e responsabilidade, não focando em nichos espíritas para se eleger, mas em colocar as ideias aos diversos públicos.

Num exercício de visão de futuro, o que o senhor pretende ter realizado ao final do seu mandato?
Peço a Deus que depois desses oito anos eu possa ter cumprido tudo que eu puder fazer no limite das minhas forças. Tudo o que você planta, você colhe. Que eu possa entregar uma sociedade mais justa, mais fraterna para nossos filhos e netos, mais espiritualizada, com menor desigualdade, com princípios, valores definidos, as pessoas com maior despertar de consciência nesses debates, com novas leis. Espero corresponder a toda essa generosidade da espiritualidade e à confiança em mim depositada. Que tenhamos sabedoria, saúde, discernimento e vontade de fazer o que tem de ser feito. E, daqui a oito anos, que eu possa voltar para minha família, para uma atividade de bastidores, dentro do meu tempo, com liberdade. Mas até lá, quero entrar de cabeça, me dedicar nesses anos importantes da minha vida. Tenho 46 anos. Se Deus permitir, com 54 anos poderei fazer outras reflexões da vida, outros trabalhos também. O Brasil precisa de muitas orações a seus governantes e ministros. Com amor, trabalho e fé, vamos chegar lá. Assim espero.

(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)