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O potencial do espiritismo no cuidado com os pacientes

Há 35 anos, o psiquiatra Sergio Felipe de Oliveira, doutor em neurociências pela Universidade de São Paulo, vem se dedicando a pesquisas que reúnem conceitos de psicologia, física, biologia e espiritismo. Desenvolve atualmente junto ao Hospital das Clínicas (USP) e à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) trabalhos ligados à área de saúde e espiritualidade, seguindo os protocolos determinados pela Organização Mundial de Saúde.

Autor da tese sobre o mapeamento da glândula pineal e suas relações com atividades psíquicas, diretor clínico do Instituto Pineal Mind, em São Paulo, Sergio Felipe é também coordenador da Uniespírito – Universidade Internacional das Ciências do Espírito, projeto que criou em 2012 e que promove cursos de aperfeiçoamento médico, através de convênios com universidades nacionais e internacionais. Mais do que um depoimento de especialista, Sergio Felipe comenta aqui sobre a razão de seu recente desabafo sobre a necessidade do espírita entender o potencial do espiritismo ante a promoção da saúde.

 Como o senhor vem desenvolvendo os tratamentos integrativos?

Tenho um trabalho junto ao Hospital das Clínicas de investigação sobre o efeito da assistência espiritual complementar no atendimento médico. Nesse projeto, 170 casos foram investigados profundamente, com realização de todos os exames necessários ao longo de uma década. Na clínica sigo o mesmo protocolo. O paciente passa por uma avaliação psicológica, tem um diagnóstico médico, é medicado, e convidado à assistência complementar, que envolve a busca da experiência espiritual e valorização de aspectos construtivos para sua vida. Há profissionais trabalhando e acompanhando esse paciente em todas as fases do tratamento. Quando tem uma melhora da resiliência, passa também a participar em algumas das áreas da assistência complementar. Muitos dos que estão trabalhando no salão de assistência espiritual são pacientes. Não é a mesma coisa que o voluntário numa sala de passes num centro espírita. Ele tem um orientador, um psicólogo, um fisioterapeuta, um médico do meu serviço que vai acompanhar todo esse processo.

Os que acompanham são espíritas?

 Eu não me importo que não sejam espíritas, porque no projeto não há esse qualificativo. Tenho também mulçumanos, judeus, islâmicos, padres. Isso não é terapia de passe, mas tratamento complementar, uma pecinha de um quebra-cabeça, de um minucioso processo de ressignificação da doença, de salutogênese e de integração a um sistema preconizado pela Organização Mundial de Saúde.

 Quais os resultados alcançados com ou sem a terapia complementar?

O tratamento já começa integrativo desde o consultório. Posso te mostrar aqui o eletroencefalograma de um paciente. Observa-se que é um exame normal. Não há epilepsia, mas apresenta algumas peculiaridades.

O gráfico apresentado sobre as ondas alfa, quando se entra em estado de transe, evidencia uma grande atividade da pineal com a área de estrutura cerebral mediúnica completamente em ação. O exame apresenta um traçado alterado, que não é epilepsia, mas é uma coisa diferente.

E como a medicina reconhece isso?

Não sabe o que é. Esse é um protocolo meu, dizendo que, quando a onda alfa está evidenciando a pineal, o paciente está em transe, tendo episódios de transe mediúnico sem perceber.

Como se dá o processo de cura para casos assim?

Posso te mostrar novamente resultados de exames de um paciente que veio com uma queixa clínica, e entre as comorbidades está a mediunidade. Está aqui constatada no exame. Ele tem uma ativação da área cerebral mediúnica e não está percebendo. Ora, se entre os seus sintomas existe o componente mediúnico e, se está fazendo tratamento e não resolvendo, é preciso trabalhar então esse elemento. Vou medicar o paciente para sua queixa – uma gastrite, uma hipertensão, uma artrite, uma esquizofrenia – e fazer uma investigação psicológica, porque preciso entender sua história, as nuances do seu perfil, pois para ele poder fazer uma transformação interior, precisa saber quais pontos estão ligados ao processo. Por exemplo: se ele tem uma mágoa do relacionamento com a mãe, isso é no consultório psicológico que vamos cuidar. O tratamento espiritual para tirar a culpa não vai adiantar, se ele não resolver aquela mágoa, que foi identificada no processo psicoterápico. Depois, sim, ele vai para o trabalho espiritual com a proposta de modificação daquele contexto, que já foi trabalhado. E na frequência da assistência, que é voluntária, ele começa a perceber esse ponto mediúnico, que tem os sintomas parecidos com os que tem lá fora. À medida que vai percebendo esse estado alfa, vai-se ensinando a ele a ter domínio dos ‘transes’ em que ele entra. Quando está clinicamente estável, colocamos esse paciente numa experiência proativa. Quando começa a dominar o fenômeno, passa a ter melhora clínica. Vamos então reduzindo o remédio até ele sair do medicamento.

Mas isso não é um trabalho também para desenvolver a mediunidade?

Desenvolver aqui não é criar faculdades paranormais. É o paciente tomar controle sobre um processo que já está aberto nele. Ele só não está tendo controle, nem ciência. Ele passa a participar de um processo de raciocínio clínico integrativo e vai aprender a lidar com esse ponto, refletindo depois na respectiva conduta médica. Para isso, reunimos toda semana a equipe clínica e discutimos os casos.

 Como a academia recebe isso?

Normal. Esse é um projeto oficial do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo.

Houve dificuldades para implementar esse tipo de tratamento?

Nenhuma. Não sofro preconceito da classe médica, porque tenho minha vida organizada. Estou trabalhando num consultório formal, tenho minha clínica legalizada. Aliás, eu não trabalho só no Brasil, mas em outros países.

O senhor se considera pioneiro nesse modo de atendimento?

Nessa parte de atuação clínica, onde você analisa a pesquisa e aplica ao paciente, sim.

 Como se sente como médico?

Sinto que estou sendo operativo com o paciente, que com esse modelo de assistência estou conseguindo descobrir coisas reais do ponto de vista de fisiologia humana, de patologia. O pessoal da área de ciência oficial tem uma abertura intensa para isso, porque trabalho junto com a ciência formal. Apenas tenho feito descobertas expressivas e isso sempre mexe com egos. Por exemplo, minha tese sobre a glândula pineal foi um mapeamento sobre o corpo humano que ninguém tinha feito antes. Trabalho nisso há mais de 35 anos.

Quais as principais conclusões a que chegou?

A primeira questão é que não dá para entender a relação cérebro-mente sem a pineal. É como abrir uma porta – se não se mexer na fechadura, não abre aquela porta. A pineal é essa fechadura.

Posso dizer que ela é mesmo o órgão da mediunidade?

Tranquilamente.

 E, se eu retirar a minha pineal, consigo ser médium?

Você vai ficar bem aérea, meio desdobrada. Quando se fala em mediunidade, está se falando de relações entre o além e aquém. Quando você tira a glândula pineal, você perde o aquém, perde o aterramento. Tem que dar neurolético para o paciente, pois ele perde a conexão do aqui, o pé no chão.

Por que ainda há certa resistência no meio espírita em se aceitar isso?

Não sei explicar. Tenho refletido muito sobre isso. A grande questão é a pessoa se deparar com a verdade e a realidade em todos os sentidos. Quando falo objetivamente que existe um órgão ligado à mediunidade, que ele está ali, acessível, você o vê no exame, isso dá para desenvolver um raciocínio clínico... Quando você bate assim na verdade, as pessoas têm uma certa dificuldade de se deparar com ela. É como se a luz ofuscasse os olhos e a pessoa tentasse se proteger da claridade. É a caverna de Platão. A verdade ofusca.

Constatar a verdade e não ver as pessoas serem tocadas por ela. Foi esse também o motivo que fez com que o senhor desabafasse sobre o espiritismo no vídeo que está na internet (assista em nosso site)?

A Organização Mundial da Saúde lança um protocolo, colocando o domínio espiritual como parte do processo de saúde; a Carta de Otawa diz que todo cidadão é responsável pela promoção de saúde. E ninguém faz nada? Isso precisa chamar a atenção dos espíritas. É um órgão das Nações Unidas falando ainda que o espiritual é importante. O espírita não pode ficar fechado dentro do templo. Ele nasceu para falar para o mundo.

 O que é considerado espiritual nesse protocolo da OMS?

As crenças das pessoas. Esse aspecto é importante e tem que ser valorizado, porque faz parte da identidade delas. O outro ponto é que espiritualidade faz parte da promoção de saúde e todo cidadão é responsável por isso. Não é só médico. Quando você constata que o centro espírita tem uma proposta de ação social e a OMS diz: ‘você é um agente de promoção de saúde, estamos valorizando você e ainda falando do espiritual’. Não é para pegar isso aí e dizer “finalmente, nós alcançamos o objetivo; vamos somar para poder ajudar?”. Considero o centro espírita uma entidade altamente impactante na nossa sociedade, com trabalho muito representativo para a saúde em geral de uma população, de uma comunidade. Justamente pela operatividade do centro espírita é que, quando a ONU abre esse campo, tenho necessidade de dizer: vamos abraçar!

 O centro espírita está preparado para isso?

Completamente. Ali há cidadãos. Ou não? O espírita não participa da sociedade? Ele não quer levar a espiritualidade para a sociedade? A ONU abriu esse espaço. Podemos revolucionar a saúde pública. Um dos problemas mais graves de saúde pública é o suicídio. Posso dizer que há influência espiritual, abordá-la sem preconceitos, porque a ONU está colocando esse aspecto. Quando se fala de suicídio – um suicídio a cada 40 segundos, uma tentativa a cada dois segundos –, estamos falando de um milhão de moléstias gerais que podem desembocar no suicídio. A OMS não convocou especialistas, convocou os cidadãos. Você não precisa ser especializado para ver que os números do suicídio estão muito altos e fazer algo para auxiliar. O que a gente pode fazer mesmo é reunir esforços...

 O senhor acredita que tenha sido esse o pensamento de Kardec quando destacava a importância dos grupos espíritas?

Antes, vou fazer uma pergunta. Onde se encontra o saber sobre o espiritismo? Vou citar uma frase da codificação espírita, em O evangelho segundo o espiritismo: Os espíritos do senhor pulverizaram, espalharam no planeta Terra o consolador prometido. O espiritismo se encontra em todas as culturas do planeta. Se você não falar todas as línguas, não ir atrás, você não encontrará os fragmentos do Consolador. Kardec fazia isso. A Revista Espírita se comunicava com o mundo inteiro. Não se pode colocar o espiritismo como uma religião sectária, onde você deixa de operar o trabalho de resgate da mensagem do Consolador, que exige que se conheça as diversas culturas. Outro ponto importante: os espíritas fundaram hospitais. São quase cem no Brasil! E dos maiores... Eles estão minguando com os doentes, ali naqueles cárceres. E os espíritas não vão fazer nada? Estamos vivendo a fase do eu falo, você escuta, cuido da minha vida, e se precisar ajuda, eu dou algum dinheiro... Mas é muito mais que isso! Quando Kardec disse que o espiritismo estaria fadado ao fracasso se não acompanhasse o avanço da ciência, é preciso compreender que ciência não é só o laboratório, ciência é você ter ferramentas para conhecer a sua realidade.

 O que o senhor faria para mudar isso tudo?

Eu estou fazendo. Eu fundei a Uniespírito. Tem uma pessoa me esperando agora para discutirmos a situação dos hospitais espíritas, para nos juntarmos ao Pró-Saúde Mental. Estou trabalhando, não estou propondo. E não sou exceção. Há muitos colegas trabalhando para isso. Estamos organizando para 2018 uma agenda mensal para receber representantes dos centros espíritas interessados em organizar programas de promoção de saúde alinhados com a ONU.

Em quantos países o senhor já está atuando?

Estou circulando... Desenvolvi um período na África, em Angola, procurando espaço em Moçambique, na Índia e Lisboa.

Por que escolheu esses lugares?

Porque o projeto da Uniespírito me foi inspirado pelo infante dom Henrique, da Escola de Sagres. E ele me pediu para que eu implantasse a Uniespírito em todas as regiões onde esteve a Escola de Sagres. Já temos duzentos alunos em Portugal, em intercâmbio na área de oncologia. A Uniespírito tem como objetivo formar pessoas para ações sociais. A verdade está onde você quer fazer o bem. O eixo axial é Allan Kardec, mas um Allan Kardec que observa, que sabe que o espiritismo foi pulverizado no planeta todo. Precisamos saber falar todas línguas.

(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 478, nov./dez. 2017).