A necessidade da motivação no trabalho espírita
Por Eliana Haddad
As casas espíritas, pós-pandemia, ainda estão repensando qual a melhor forma de trabalhar e dar continuidade às tarefas de estudo, palestras e assistência espiritual.
É grande o desafio dos dirigentes espíritas, que se sentem, além de responsáveis pela condução das atividades nos centros, agora também pressionados pelas exigências de mudanças em função da rapidez da comunicação.
O Correio Fraterno busca esclarecimentos sobre o momento atual com a palestrante motivacional Samantha de Pardo. Ela é coordenadora da evangelização infantil do Grupo Espírita Assistencial e Filantrópico Joanna de Ângelis, em Santo André, SP, e colabora como espírita em diversas frentes.
Advogada, pós-graduada em psicopedagogia institucional e clínica, com bacharelado em letras e especialização em oratória e retórica na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Samantha, profissionalmente, desenvolve treinamentos em empresas e escolas, incentivando uma comunicação humanizada com propostas de transformação pessoal.
Como o dirigente espírita pode exercer melhor o seu papel diante das mudanças pós-pandemia?
A palavra mudança geralmente assusta. Temos a sensação de que passaremos por algum desconforto e é muito provável que isso aconteça. Porém o espírita entende que a principal característica da vida física é a impermanência, que tudo está em progresso e evolução e que a cada experiência nos modificamos. A insegurança é natural, mas pode ser intensificada, quando o dirigente interpreta que as mudanças são ameaças para a doutrina. Deve-se deixar claro que a ninguém foi outorgado o direito de alterar qualquer ensinamento dos espíritos ou do Cristo. A necessidade de rever, adequar e repensar se refere ao movimento espírita, às atividades desenvolvidas por homens, jamais à essência da doutrina.
Quais dinâmicas você indicaria para manter a motivação dos colaboradores e frequentadores dos centros espíritas?
Vamos usar aqui a palavra motivação no sentido de estimular. Essa pergunta é muito importante, porque “gente desmotivada desmotiva os outros” e, de repente, um grupo inteiro de trabalhadores passa a ir ‘se arrastando para o centro espírita’. A primeira dica é: reavive o propósito, sempre que possível. Saber o porquê de estarmos fazendo algo é crucial para que a atividade seja feita com alegria e dedicação. Não estamos na casa espírita ‘pelos outros’, mas porque nos comprometemos com a nossa própria evolução. A segunda: promova um ambiente de harmonia. Incentive que as pessoas cheguem alguns minutos antes para uma conversa amigável; mostre interesse pelo outro. Quando Jesus nos ensinou que Deus era ‘nosso Pai’, instituiu a irmandade entre os homens. Terceira: ouça as pessoas! Para sentir-se motivado o indivíduo precisa saber que faz parte de algo, que suas opiniões, sentimentos e colocações são levados em conta, mesmo que não atendidos. Separe um tempo para isso: promova conversas, envie mensagem perguntando sobre ideias e opiniões e, o mais importante, responda à sugestão, até mesmo aquelas que não sejam possíveis aplicar. Lembre-se que motivação é tarefa de cunho intrapessoal.
Você percebe alguma necessidade mais evidente que esteja exigindo uma atuação mais urgente nas casas espíritas?
Acredito na urgência da preparação daqueles que recebem os assistidos em seu primeiro momento na casa. Entrevistadores ou atendentes fraternos desempenham papel crucial no centro espírita e na vida dos assistidos. Todo o envolvimento na doutrina espírita está ligado a esse momento. Cada um de nós lembra, vividamente, do dia que ingressou e como foi atendido na casa. Esse primeiro contato pode definir a permanência na instituição e até mesmo na doutrina. Uma explicação equivocada, uma grosseria ou uma promessa de ‘milagre’ durante um acolhimento podem gerar proporções irreparáveis, dada a situação delicada daquele que chega.
Como você analisa a busca pelo espiritismo atualmente?
Tenho percebido que muitas pessoas não buscam uma religião para servir e sim uma religião que sirvam a elas. A exemplo da famosa história mitológica da Cama de Procustro, onde o violento personagem cortava as cabeças ou esticava os convidados para caberem em sua cama, as pessoas têm buscado o espiritismo até o ponto que este atenda as demandas e necessidades momentâneas, que em maioria tratam de dores e desconfortos. A doutrina oferece o acolhimento e consolo necessários, o azeite colocado sobre a ferida no homem socorrido pelo samaritano. Porém, logo em seguida, como na parábola, é necessário que se passe o vinagre, (aquilo que arde), ou seja, o estudo e o processo de autoiluminação. Nesse momento, percebemos um esvaziamento do número de frequentadores, confirmando que a busca pelo espiritismo ainda é superficial. Cabe a cada instituição trabalhar incessantemente para estimular esse frequentador e despertar sua consciência.
As casas espíritas, geralmente, são administradas por pessoas com mais idade. Isso interfere na atuação dos jovens nas atividades da casa?
Acredito que sim. As diferenças nas características e os conflitos entre as gerações são de conhecimento evidente e campo de vasto estudo. Ainda enxergamos o diferente como ameaçador ou impróprio e não como colaborador. Essa postura reativa acontece tanto nas pessoas com mais idade como nos jovens. Para que a casa caminhe com a participação de todos, é necessário valorizar as diferenças. Gosto de uma frase que, apesar de extrema, diz: “Quando duas pessoas pensam da mesma forma, uma delas é desnecessária”. Precisamos ouvir quem pensa diferente e compreender que a distância das gerações promove olhares que se complementam. Um quebra-cabeças não se faz com peças iguais e uma gestão que valoriza o diálogo é menos egoísta, menos defensiva e acima de tudo mais amorosa.
Como melhor exercitar o equilíbrio entre autoridade e amizade nas relações nas casas espíritas?
Uma coisa é sermos amigos, outra coisa é infringir regras. Ser autoridade em alguma coisa não nos dá o direito de ser autoritário, mas traz responsabilidade e vigilância incansáveis. A amizade verdadeira proporciona o exercício de valores elevados, como empatia, paciência, compreensão e carinho. Quando aquele que ocupa a função diretiva percebe que há favorecimento, falta de respeito e ‘insubordinação’ sob a desculpa de amizade, tende a tornar-se autoritário, o que só aumenta o problema. O ideal é identificar, em conversa amigável e honesta, qual valor da amizade foi perdido para que a situação delicada ocorresse e, posteriormente, trabalhar para exercitá-lo. Ser inacessível para manter-se como autoridade, abrir mão de amizades, também não garante o desempenho satisfatório da função. Amizade nunca será um problema se administrada dentro das virtudes que promove.
Se você tivesse que auxiliar um dirigente espírita para que ele desempenhasse melhor a sua performance, o que você faria?
Eu o auxiliaria na comunicação. A casa é feita de pessoas que se relacionam através da conversação. Se existe algum ‘ruído’ nesse processo, as consequências são desastrosas. Melindres, fofocas, equívocos, maledicência, mágoas são exemplos de uma comunicação equivocada. Na hora de dizer ou escrever algo, pense naquele que receberá a mensagem, em todos os envolvidos na ação comunicativa. Escreva e fale como você gostaria de ouvir e não apenas como você gostaria de falar. Comunique-se, não desabafe. Elabore sua fala com cordialidade, clareza e objetividade. Colocar-se no lugar de quem escuta vai além de uma habilidade comunicativa, corresponde ao ensinamento do Cristo e revela empatia e amor ao próximo.
Como o progresso nas ciências administrativas pode ajudar na eficiência das atividades na casa espírita?
A doutrina ensina-nos que o progresso do homem há de ocorrer nos aspectos moral e intelectual. Assim, todo avanço intelectivo é válido. Associá-lo ao empreendimento moral é ainda mais louvável. A casa espírita que conta com conhecimentos e avanços na área da administração financeira correrá menos riscos de passar por dissabores, em decorrência da má gestão de recursos. Nenhuma casa pode legalmente funcionar sem estatuto, inscrições entre outras burocracias. Assim, o conhecimento técnico é de suma importância. Um fluxograma, por exemplo, bem realizado e entregue aos tarefeiros responsáveis evita desencontros e facilita o escoamento e direcionamento dos assistidos. Esquivar-se do conhecimento que promove o bem fazer é recusar o aperfeiçoamento.
Quem busca a casa espírita hoje têm acesso a uma infinidade de informações na internet. Como manter o centro atualizado frente às novas demandas?
Estamos sofremos de algo chamado Information overload (sobrecarga de informações). Uma revista de renome trouxe a afirmação de que uma criança de 7 anos de hoje tem mais informações do que um imperador romano. Sabemos que os combatentes do espiritismo possuem conhecimento profundo da doutrina. Se por um lado nos espantamos com essas colocações, por outro, fica evidente que deter a informação não é de grande vantagem. Nunca será apenas sobre o quanto se sabe, mas sobre o que fazer com o que se sabe. A casa que se comportar como detentora e fornecedora exclusiva de informação será rapidamente engolida por qualquer site de pesquisa. Nossos centros espíritas não devem ser fontes informativas, e sim fontes transformadoras.
Como melhor estudar as obras de Kardec?
Na hora do estudo é importante deixarmos de lado uma consideração muito difundida, mas não verdadeira em sua essência, de que a doutrina espírita é difícil de ser compreendida. Devemos substituir difícil por trabalhoso. Todo aquele que se proponha a estudar algo deve estar disposto ao esforço e dedicação. Vale ainda lembrar que a organização dos textos, perguntas, colocações e livros foram realizados por um professor, Kardec, e já possuem estrutura didática. Há risco no estudo quando as interpretações passam a ser pessoais e carregadas de conceitos subjetivos. Assim, para manter a fidelidade dos estudos é necessário debruçar-se sobre o texto. A clareza e firmeza das considerações dos espíritos afastam qualquer interpretação tendenciosa. No início de grande parte das respostas de O livro dos espíritos, encontramos objetividade: sim, sem dúvida, não, é evidente, bem longe disso, isso é verdade, certamente... O sucesso do estudo depende do esforço e paciência de ler pausadamente cada linha, cada palavra, silenciar nossos barulhos internos para entender o que os espíritos falam e não o que nós gostaríamos que eles falassem. Posteriormente, extraído o novo conhecimento, colocá-lo rapidamente em prática para que se torne inesquecível.
Por que o jovem se afasta do espiritismo quando começa a ter acesso às universidades, ao mercado de trabalho, à vida adulta?
Acredito que inúmeros sejam os motivos. O argumento clássico é o de que não há mais tempo para dedicar-se à mocidade espírita. Porém, se tomarmos os trabalhadores mais envolvidos nas tarefas da casa, descobriremos que são pessoas que possuem uma vida agitada e cheia de compromissos, ou seja a ‘falta de tempo’ não é exclusividade de quem está ingressando na faculdade. Partimos assim para um outro raciocínio. Fazendo um paralelo entre esses dois mundos propostos aos jovens, temos o exterior e o interior. A vida e preocupações mundanas ocorrem em um processo ‘fora’. tornando-se mais fácil, conveniente e lucrativo. Do outro lado, o espiritismo ocorre para ‘dentro’, figurando-se mais reflexivo, pessoal e desconfortável. Nesse impasse, na maioria das vezes, os jovens tendem a escolher o que lhes atende de forma mais imediata. Essa escolha pode ser facilitada, caso a proposta de estudo espírita não atenda às suas expectativas, seja não trazendo significado, seja posicionando-o como mero expectador.