Correio.news

View Original

Os fantasmas e suas aparições

Por Jáder Sampaio*

Ásia, 1858. Alfred, um naturalista em expedição no arquipélago malaio, envia uma correspondência a seu colega inglês, Charles. Ele pedia ajuda na publicação de um manuscrito. Charles recebeu o trabalho, leu e ficou lívido. Ele estava pesquisando o mesmo assunto e chegou à mesma conclusão há décadas, mas não publicara até o momento, sempre procrastinando, à espera de mais evidências. Montou, então, uma mesa na Linnean Society e apresentou ao mesmo tempo, para seus colegas e para o mundo, a mesma teoria escrita à distância por dois pares de mãos. Ela ficou conhecida no futuro como "teoria da evolução das espécies com base na seleção natural", ou simplesmente, evolucionismo, ou ainda, indevidamente, darwinismo.

Inglaterra, 1865. De volta da Ásia, Alfred resolve dedicar-se ao estudo dos fenômenos espirituais. Após ter visto fenômenos de raps e movimentação de mesas na casa de um amigo, procura a Sra. Marshall, sem identificar-se, e assiste a muitas sessões mediúnicas. Ele já havia magnetizado garotos e curumins, no passado, mas aqueles fenômenos eram diferentes. Foi em um grupo de seis pessoas, sem identificar-se. Ao passarem as mãos, em ritmo cadenciado, sobre um alfabeto impresso, batidas sobre a mesa iam identificando as letras que desejava fossem escritas. A primeira palavra foi 'Pará'. A segunda foi 'Herbert'.

Surpreso, Alfred sabe que se está falando de seu irmão, morto durante a longa viagem pela região amazônica, há quatorze anos! Abalado em seu ceticismo, formulou uma última pergunta à inteligência sem corpo, uma pergunta que a médium não poderia jamais saber: "Que amigo comum o viu pela última vez?", e as batidas formaram o seguinte nome: 'Henry Walter Bates'.

Um ano depois, o ainda jovem Alfred escreveu um livreto: O aspecto científico do sobrenatural. Nele já se encontram embutidas muitas horas de leituras e observações. Textos contendo a síntese dos escritos e depoimentos de cientistas, artistas, literatos e outras pessoas de reputação e inteligência que defendem a continuidade da vida psicológica após a morte do organismo humano.

Em 1871, Alfred está fazendo uma conferência, na Dialectical Society. Nela ele ataca um filósofo muito respeitado nas ilhas: David Hume. Hume teria se oposto vigorosamente à possibilidade de explicação de uma cura, por exemplo, pela atuação de espíritos dos mortos. Mais do que isto, Hume acha que não há método de estudo capaz de provar sua existência. O conferencista escolhe os principais argumentos e os desmancha, pacientemente, enquanto lê seu calhamaço de papéis. Ele defende de forma expressiva a volta das pesquisas espiritualistas ao estatuto das ciências naturais, que sustentam teorias com base em observações de fatos.

Passados onze anos, em 1882, o cenário da indiferença inglesa sobre o espiritualismo havia mudado. Nas duas últimas décadas do século, a questão da vida após a morte incomodava os professores das universidades britânicas. Eles resolveram então criar uma sociedade, que foi batizada com o nome Sociedade de Pesquisas Psíquicas.

A questão dos fantasmas e da mediunidade estava presente nas revistas e na sociedade. William Crookes já havia publicado seu relatório de pesquisas sobre os fenômenos com a srta. Florence Cook e outros autores famosos, conhecidos no meio científico, defendiam o espiritualismo moderno e tentavam apresentá-lo para as sociedades científicas com seus trabalhos de revisão e pesquisa.
Neste clima, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas publica um grande volume, chamado Os fantasmas dos vivos, onde demonstra a existência da telepatia com um enorme número de casos estudados, mas não trata da comunicabilidade dos mortos. Seriam os fantasmas totalmente explicáveis através da telepatia?

O Sr. Alfred, mais conhecido agora por seu sobrenome, Russel Wallace, então membro da Sociedade e já reconhecido cientista proeminente, coautor da teoria da evolução das espécies com Charles Darwin e autor de trabalhos e livros naturalistas, resolve mostrar que a telepatia não é suficiente para explicar nem mesmo os casos estudados no livro. Conseguirá ele realizar mais esta proeza? Será possível mostrar que além dos fantasmas dos vivos, existem fantasmas dos mortos? Não responderei a esta pergunta. Deixo ao leitor um 'dever de casa', ou uma 'leitura obrigatória' técnica que adotava quando lecionava em universidade, nem sempre bem acolhida pelos alunos. Recomendo, então o livro Os fantasmas e suas aparições, traduzido por nós e recém-publicado pelo Instituto Lachâtre, que conta mais esta aventura intelectual do naturalista galês.

*Escritor e editor do blog Espiritismo comentado, Jáder também é um dos editores da série "Pesquisas Brasileiras sobre o espiritismo", publicada pelo CCDPE ECM e LIHPE.

Publicado no jornal Correio Fraterno - edição 470  julho/agosto 2016.