O estranho caso de William Sharp
Não é pequeno o número dos escritores que escreveram sob a influência dos espíritos. A maioria sem se aperceber das entidades, como Dostoievski ou Allan Poe. Outros, porém, escreveram conscientes da participação espiritual. É o caso de William Sharp, escritor inglês, crítico, biógrafo e autor de peças dramáticas que marcaram época.
Nos primeiros meses de 1890, o mundo literário inglês foi surpreendido com a publicação de um romance e de uma coleção de versos que traziam o nome de Fiona Macleod. Embora este nome fosse desconhecido, logo mostrou se tratar de uma estrela de primeira grandeza que surgia no horizonte das letras. O sucesso desta série de obras literárias era de um estranho encanto, que prendia e entusiasmava críticos e leitores.
Quando lhe pediram seus dados, Fiona Macleod disse ser nascida há mil anos, de um pai chamado “Sonho” e de uma mãe que se chamava “Romance”, numa residência situada lá onde o arco-íris tomava a sua forma. E o mistério que cercava a escritora ficou bem guardado até a morte do autor, em 1905.
Foi aos 7 anos de idade que Sharp viu pela primeira vez o espírito resplandecente Fiona Macleod, que o acompanharia pelo resto da vida. O fato se deu nos jardins da residência de seus pais quando, de súbito, ele se deparou com a lindíssima jovem, a quem ele chamou de ‘fada dos bosques’.
Os anos se passaram. Já casado e com um nome a zelar pelas produções na literatura inglesa, Sharp começou a ser tomado pelos transes mediúnicos.
Em carta que escreveu para sua esposa em 1895, William Sharp registra a presença espiritual de Fiona Macleod:
“Que coisa bizarra e eletrizante é o fato de existirem em mim duas pessoas, ainda que íntimas! E, entretanto, elas são tão diferentes! Sinto, às vezes, como se Fiona estivesse adormecida no quarto ao lado e eu me surpreendesse em atitude de escutar para lhe perceber os passos ou ver abrir a porta e Fiona aparecer. Quando, porém, ela se comunica comigo, é falando, interiormente, em voz baixa. Espero, agora, com ansiedade, saber como desenvolverá ela o assunto do novo romance The mountain lovers. Como é estranha esta impressão de sentir-me aqui sozinho com ela!
Os romances e poesias de Fiona ditados a William Sharp por ‘inspiração’ alcançaram sucesso retumbante junto à crítica literária e ao público. Eram romances e poemas “saturados de graça feminina, de fantasias, de sonhos, de reminiscências célticas de há mil anos”, registra o pesquisador italiano Ernesto Bozzano em um de seus estudos. Nenhuma semelhança de estilos. Literariamente, Fiona Macleod superava William Sharp. Escreveu um crítico que ambas as personalidades “produziram obras literárias de uma beleza especial, embora Fiona ultrapassasse muito a outra em originalidade, em poder descritivo e em imaginação”.
Durante dez anos escreveu Fiona Macleod romances e poesias através da mediunidade de Sharp sem que os críticos descobrissem.
Cinco anos após a morte de Sharp, um amigo fez as seguintes declarações:
“Há vários anos fiquei conhecendo William Sharp e tornei-me seu amigo. Ele não era ainda casado e morava em um pequeno apartamento, perto do nosso. Certo dia, aconteceu-me fazer referências, em conversa, ao neoespiritualismo e ele declarou que nunca assistira a experiências dessa natureza e que as veria com prazer. Convidei-o então para tomar parte do nosso círculo familiar. Alguém perguntou: “Quem são os guias espirituais do sr. Sharp?” A mesa respondeu, lentamente, um nome da família escocesa: Macleod.
Alguns anos mais tarde, convidei-o para ir à minha residência, por ter necessidade de um conselho, a respeito do título de um livro de versos que desejava publicar e confiei-lhe que havia escrito vários poemas do volume por ‘inspiração’. Ele exortou-me a ocultar isto, se não quisesse me comprometer perante os críticos... Em outra ocasião e a propósito dos poemas de Fiona, ele me exprimiu a mesma preocupação: “Fiona morre se descobrem o segredo da sua existência”.
Sharp era médium inspirado, mas temia que o descobrissem. As admiráveis coleções de versos que publicou constituíam impressões de uma inteligência espiritual que era seu ‘espírito-guia’; seu nome devia ser realmente aquele que tinha sido transmitido pela primeira vez, em nosso círculo familiar: Macleod – o que se verificou vários anos antes que Fiona Macleod se manifestasse a Sharp.
Com a publicação de Memórias, após a morte de William Sharp, e escrita pela sua viúva, todo o mistério em torno de Fiona Macleod foi desvendado e só então os críticos literários souberam que a literatura dos mortos pode superar a dos vivos...
Baseado no livro Escritores e fantasmas, Jorge Rizzini. Ed. Correio Fraterno.
(Publicado no Jornal Correio Fraterno - edição 488)