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O encontro (frustrado) de Yvonne Pereira com Roberto de Canalejas

Por Cristina Helena Rocha

Yvonne Pereira nasceu com diversas formas de mediunidade: desdobramento, vidência, cura, dentre outras. Viveu para servir ao plano espiritual e sua biografia é uma verdadeira lição de superação e reconquista da honra espiritual.

Em encarnações diversas, descritas em seus romances, nos quais é protagonista, viveu intensamente paixões e quedas morais, ferindo espíritos amigos e enveredando pelo suicídio por duas encarnações seguidas. Não por acaso, trouxe à tona o melhor tratado sobre suicídio, através da narrativa das experiências dolorosas de Camilo Castelo Branco em "Memórias de um suicida".

Nesse livro, vamos encontrar uma personagem melancólica denominada Roberto de Canalejas. Ele, no plano espiritual, e Yvonne, encarnada no Brasil, em lar humilde. Eis o trecho em que ele mostra a Camilo a sua ‘esposa espiritual’, ainda criança:

[...] Enviou mensagem telepática a seus maiorais, e em seguida aproximou-se do esplêndido receptor de imagens, sintonizou-o cuidadosamente para a crosta terrestre e esperou, murmurando como que para si mesmo: "Deve estar entardecendo no hemisfério sul ocidental... Não haverá indiscrição em procurar vê-la neste momento...”.

Com efeito! A pouco e pouco a configuração de uma criança destacava-se da penumbra de um aposento de família paupérrima. Tudo indicava tratar-se de um lar brasileiro dos mais modestos, conquanto não miserável. Uma menina aparentando cinco anos de idade, cujas feições concentradas e tristes indicavam a violência das tempestades que lhe tumultuavam o espírito, entretinha-se com seus modestos brinquedos de criança pobre, parecendo mentalmente preocupada com reminiscências que se embaralhavam aos fatos presentes, pois falava às bonecas como se conversasse com personagens cujas imagens se desenhavam quais contornos a crayon em suas vibrações mentais.

Roberto contemplou-a tristemente (...) "Aí está! Reencarnada na Terra de Santa Cruz... onde palmilhará seu doloroso calvário de expiações... Vive agora fora dos ambientes que tanto amava!... desamparada pela ausência daqueles que tão devotadamente a estremeciam, mas cujos corações espezinhou com a mais cruel ingratidão!

Leila desapareceu para sempre na voragem do pretérito!... Para o mundo terrestre será linda e graciosa criança, inocente e cândida como os anjos do céu! Perante a consciência dela própria, porém, e o julgamento da lei sacrossanta que infringiu, é grande infratora que cumprirá merecida pena, é a adúltera, a perjura, a infiel, blasfema e suicida, pois Leila foi também suicida, que renegou pais, esposo, filhos, a família, a honra, o dever, pelas funestas atrações das paixões inferiores”.

(...) É assim sempre – exclamou tristemente –, não tem coragem para enfrentar-me... No entanto, pensa em mim e deseja voltar ao meu convívio...”. A história de Roberto esteve sempre entrelaçada à de Yvonne. Em "Recordações da mediunidade" percebemos os fortes laços que os uniu séculos a fio. Roberto foi Luiz de Narbone ("Nas voragens do pecado"), Henri Numiers ("O cavaleiro de Numiers") e Arthur de Guzman ("O drama de Bretanha"). A sua existência, no século 19, quando foi médico pesquisador do vírus causador da tuberculose, não está registrada em forma de romance.

Há, porém, um pequeno volume, quase desconhecido do público, denominado "Um caso de reencarnação - eu e Roberto de Canalejas" (editora Associo Lorenz, 2004). Nessas poucas páginas Yvonne nos surpreende com o relato da reencarnação de Roberto, na Polônia, quando ela já em idade madura o localiza através de um grupo que trocava postais usando o esperanto (idioma que os espíritos utilizaram para ditar alguns de seus livros). Nesta narrativa comovente, a relação entre a médium e Roberto é detalhada, desvelada. Yvonne nos revela a presença de Roberto desde a sua infância, passando pela adolescência, quando a seguia como espírito, a despedida ao retornar à Terra, até o vínculo com um ‘desconhecido’ Z. P. (ela não revela o nome) que é o próprio Roberto, vivendo na Polônia distante.

A transmutação do amor humano, carnal em amor espiritual, profundo, abrangente é para ela uma luta diária consigo mesma. O sofrimento ao sabê-lo encarnado, ao visitá-lo espiritualmente, sem poder vê-lo foi sua ‘prova de fogo’, que lhe exigiu renúncia extrema. Tanto conteúdo há nesse pequeno volume, ensinamentos e exemplos que nos mostram que o maior desafio para o ser humano é vencer a si mesmo, superar o passado e construir um futuro de luz.

Imaginamos os ex-suicidas como pessoas com deficiências, alquebrados fisicamente, como ‘castigo’. Mas nem sempre é assim. Para o espírito os sofrimentos e limitações físicas nem sempre são as situações mais difíceis.

(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 457, mai/jun. 2014)