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Lembrança de um espírito

Um marujo da marinha de guerra, chamado Arsène Gautier, voltou a Cherbourg há quinze ou dezesseis anos, muito doente, em consequência de febres adquiridas nas costas africanas.

Veio à casa de um de meus genros, que sabia ser amigo de seu irmão, capitão da marinha mercante, e que era esperado dentro de poucos dias naquele porto. Nós o recebemos bem e, como estivesse doente, minha filha J..., então com quatorze ou quinze anos, pediu-me que o chamasse para se aquecer à nossa lareira e tomar um remédio, que não lhe seria dada em seu albergue, até que seu irmão chegasse. Essa menina teve para com ele cuidados compassivos.

Ele morreu ao chegar à sua casa; depois ninguém mais pensou no caso. Seu próprio nome, escrito no início da comunicação espontânea, que recebemos em 8 de março último [1862], por minha filha J..., hoje médium, não fez com que dele nos lembrássemos. Só o reconhecemos pelos detalhes em que entrou. Era um homem de inteligência muito limitada e sua vida tinha sido muito difícil. Privado da afeição dos seus, a tudo se havia resignado. Eis a sua comunicação:

 “Vós me esquecestes há muito tempo, minha amiga, mas eu não vos perdi de vista desde que deixei a Terra, porque sois a única pessoa, o único Espírito simpático que encontrei nesta terra de dores. Eu vos amei com todas as minhas forças, quando não passáveis de uma criança e não tínheis por mim senão um sentimento de piedade, devido à terrível enfermidade que me devia levar. Sou feliz...

Esta era a primeira existência que Deus me tinha dado. Como meu Espírito era ainda novo e não conhecia nenhum outro Espírito, liguei-me mais a vós. Estou feliz e prestes a voltar à Terra para avançar em direção ao Senhor. Tenho a esperança no coração; o caminho, tão difícil para alguns, parece-me largo e fácil. Um bom começo como minha existência passada é um encorajamento tão grande! Deus me ajudará. Orareis também por mim, para que minha prova tão próxima me seja tão proveitosa quanto a outra. Infelizmente não sou adiantado, mas chegarei.”

Não fazíamos ainda a menor ideia do Espírito que dera aquela comunicação, e nos perguntávamos uma à outra quem poderia ser. O Espírito respondeu:

“Sou irmão de um ex-capitão de Nantes, que era amigo de um de vossos parentes.” (Isto nos despertou a memória e o Espírito continuou):

“Obrigado por vos lembrardes de mim. Só lamento uma coisa, ao entrever a prova que se aproxima: ser separado de vós por algum tempo. Adeus; amo-vos muito.

Arsène Gautier.”

Observação de Allan Kardec
Lida tal comunicação na Sociedade de Paris, perguntamos a um dos nossos guias espirituais se era possível que aquela tivesse sido, como dizia o Espírito, a sua primeira encarnação. Respondeu o guia: “Sua primeira encarnação na Terra, é possível; mas, como Espírito, não. Em suas primeiras encarnações, os Espíritos encontram-se num estado quase inconsciente e este, embora pouco adiantado, já está longe de sua origem; mas é um desses Espíritos bons, que seguiram o caminho do bem. Seu progresso será rápido, pois não terá de se despojar senão de sua ignorância, nem lutar contra as más tendências dos que trilharam o caminho do mal.”

(Texto publicado por Allan Kardec na  Revista Espírita, na edição de outubro de 1862)