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Kardec comemora dia de finados?

Por Jorge Damas Martins

Há quem possa estranhar, mas Kardec, por muito tempo teve hábito de comemorar o dia dos mortos, como denominavam na época. Por respeito aos Espíritos espíritas que desencarnaram, e não por mero atavismo religioso. Embora em registros formais se tenha informações de que o Codificador comemorasse a data a partir do ano de 1864, desde 1857 ele a considerava e em torno dela se reunia com seus irmãos da Sociedade de Paris. É que a partir de 1864, Kardec os convoca, formalmente, a refletir na oportunidade da reunião, reunindo, pela força do pensamento, encarnados e desencarnados.

"Sendo o nosso objetivo unir-nos em intenção para oferecer, em comum, um testemunho particular de simpatia aos nossos irmãos falecidos, poderia ser útil chamar nossa atenção quanto às vantagens da reunião."¹

Registrado por ele mesmo, a Revue Spirite de dezembro de 1864 consta:

"Estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para darmos àqueles irmãos que deixaram a Terra um testemunho particular de simpatia, para continuarmos as relações de afeição e de fraternidade que existiam entre ele e nós, quando eram vivos, e para invocarmos sobre eles a bondade do Todo-Poderoso."²

Em 1878, conforme consta também na Revue Spirite (1878), o discurso em comemoração à data foi realizado por Leymarie, que naquele ano, em particular, ao lado do túmulo de Allan Kardec. Leymarie foi um dos mais fervorosos discípulos de Kardec, que assumiu, em 1871, a gerência da Revue Spirite e da livraria, sendo o braço direito de madame Kardec, Amélie Boudet.

No discurso, Leymarie dizia que juntos estavam para ali comemorar o 21º aniversário da comemoração espírita dos mortos:

"Viemos aqui para orar; podemos, ao menos pelo pensamento, voltarmo-nos para o dólmen ou para a multidão de adeptos que se apressa em lembrar, em agradecer a um nobre e vigoroso Espírito.

Todos vocês devem constatar que a imprensa francesa afirma, cada ano, no dia de Todos os Santos, que entre os túmulos de homens ilustres o de Allan Kardec recebeu, mais que todos, uma verdadeira procissão de visitantes.

Nascer, morrer, renascer e progredir sem cessar, tal como é a lei, seria uma fórmula mágica? – perguntam-se com fortes pontos de interrogação todos os jornalistas.

Aquilo que sabemos aqui, é que um homem que trabalha de manhã até a noite, para realizar uma missão útil aos seus, sente a necessidade de aspirações novas e de uma ligação ideal que o possa unir a todas as gerações passadas e futuras, pelas quais ele busca o progresso e sempre mais luz. Esta ligação, ele procura e pede a sempre, sobretudo ao visitar este túmulo.(...)

Em 1869, quando foi construído, na vasta necrópole do Père-Lachaise, este túmulo original, muito simbólico, a recém-construção foi recebida pela calúnia, pois ela era útil para ridicularizar o Ideal; ao menos, a curiosidade foi despertada, e cada um queria observar o que se pode ainda ler nas inscrições gravadas sobre as pedras desse dólmen, que tomou vida, porque deixou uma marca inesquecível em uma multidão de pessoas.

Para aqueles que não têm nenhuma noção do futuro, essas inscrições revelaram uma nova ordem de idéias e a esperança de não morrer completamente; crença, que animou a velha Gália. É a tradição perdida mais reencontrada...

Também, irmãos de crença, agradeçamos à madame Allan Kardec e aos adeptos, que, erigindo esse dólmen, deram à multidão esse pensamento que tudo transforma para reviver e que ensina ser inútil, muito chorar, o ser que emigrou para o outro lado, porque ele conquistou, ele mereceu, as alegrias invejáveis e um adiantamento maior ao se relacionar com a moralidade deste pensamento.

Esse túmulo possui, portanto, sua razão de ser; é como um protesto contra os preconceitos de uma outra época, contra o partido tomado por parar o movimento à frente das sociedades modernas e todo progresso pelo saber e investigação que civilizam.

Morrer, mas renascer, não há maior segredo em toda vida. É o grande e divino pensamento do Mestre dos mundos revelado agora a todos.

O tempo e as revoluções do globo que transformam tudo poderão, em algumas séries de séculos, fazer desaparecer todos os traços aparentes da grande necrópole parisiense. Se revivermos então, nós reencontraremos sobre a relva, entre essas pedras do túmulo, as suas inscrições, e, com elas, reconstituiremos a gênese do passado se, no entanto, o fogo destruir as bibliotecas.

O livro e o manuscrito podem desaparecer, mas a pedra e o metal sempre têm uma reclamação contra o vandalismo do tempo e dos homens.

Agradecemos os mortos amados, nossos precedentes que, por seu trabalho e estudos seguidos, permitiram-nos tentar uma renovação social pela caridade e amor segundo o espiritismo.

Oremos para as almas que provieram da vida universal, àquelas do espaço e àquelas da nossa terra. Orando, afastamos das lamentações inúteis, os signos da tristeza, e provamos às almas irmãs que a indiferença dos críticos não altera as lembranças, que nos importa muito saber que estão sempre ativas, cheias de vontade e que, se elas se desenvolveram no sentido do bom, do belo, do justo e do verdadeiro, progredirão na vida eterna."

A comemoração ao dia dos mortos não permaneceu como prática no meio espírita, por levar em consideração que os Espíritos atendem ao chamado do pensamento, nesse dia, como nos outros, valendo sempre, e em qualquer lugar, a boa lembrança dos que já retornaram ao plano espiritual.³

Bibliografia:

¹ Allan Kardec, Revista Espírita. FEB, 1864, dezembro, p. 480.

² Idem. p. 473.

³ Allan Kardec, O livro dos espíritos, cap. VI, perg. 321. 

(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 411, setembro/outubro de 2006)