A primeira carta de Kardec à Amélie Boudet
Por Izabel Vitusso
Entre os documentos originais que foram salvos do saque que a Maison des espirites sofreu na invasão dos nazistas, em 1940, consta a primeira carta que Allan Kardec escreveu para a sua namorada, com quem ele viria a se casar no ano seguinte. Amélie Boudet morava com os pais em cidade a cerca de 19 quilômetros de Paris.
Nela, feliz, Kardec se manifesta, agradecendo pela permissão de poder trocar cartas diretamente com sua namorada. Sua franqueza e a forma direta de lidar com suas questões mais íntimas será a marca registrada que o acompanhará no intenso trabalho, que dará corpo à codificação da doutrina espírita anos depois.
Quando Kardec escreveu esta carta, estava com 27 anos de idade e Amélie com 36. Casaram-se em 9 de fevereiro de 1832, e permaneceram 37 anos unidos, até a desencarnação do codificador, em 31 de março de 1869.
“Minha mãe acabou de receber a resposta do senhor vosso pai, à solicitação feita por mim, através dela. Apresso-me em aproveitar dessa permissão, que ele me concedeu, para vos exprimir diretamente toda a alegria que esse consentimento me proporcionou e quanto feliz eu seria que a vossa determinação pessoal corresponda à minha expectativa; confesso-vos, que ouso um pouco acreditar nisso, através da carta do senhor vosso pai e também pelo que me foi relatado pelas senhoras Musset e Boisset; essa esperança, senhorita, apressa ainda mais os meus votos para a chegada do momento em que eu poderei exprimir-vos, de viva voz, as esperanças de felicidade que eu deposito nessa união.
Embora só tenha tido o prazer de ver-vos uma só vez, essa única entrevista me convenceu de que essas senhoras em nada exageraram, ao pintar-vos com cores tão gentis. Anseio vivamente que nenhum obstáculo venha retardar a realização dos meus desejos.
Sem dúvida, não ser-vos-á uma surpresa de não encontrar nesta carta o estilo muitas vezes empregado para tais ocasiões. Confesso-vos não ter nenhuma experiência nisso e não ter disposição para fazer demonstração enfáticas, cuja realidade repousa, muitas vezes, num sentimento demasiadamente fugaz.
Prefiro, a essas vãs maneiras de demonstrações, a expressão de uma estima recíproca, a única capaz de assegurar uma felicidade duradoura, ao abrigo do tempo e das vicissitudes, e eu ouso acreditar que vós compartilhais desse meu sentimento e que os nossos pais verão, com maior satisfação, uma união fundada nessas bases.
Eu gostaria de assegurar-vos, senhorita, que vós encontrareis em minha mãe e em meu tio, parentes que vos afeiçoarão como uma filha e que aguardam igualmente ansiosos que seus votos se concretizem, com sua chegada entre eles.
A sra. Musset me convida a anexar a esta carta dados referentes a meu nome, idade etc. para seu pai possa ter acesso às informações necessárias para as formalidades que ele será levado a preencher em sua região. (Hypolite, Léon Denizard Rivail, nascido em Lyon, no dia 3 de outubro de 1804, filho de Jean Baptiste-Antonie Rivail, advogado e de Jeanne Louise Duhamel).
Pedir-vos-ia senhorita, ser a intérprete junto a vossa mãe e ao vosso pai dos sentimentos de mais elevada consideração, de minha mãe, do meu tio e de mim mesmo, expressando-lhe o quanto essa resposta foi motivo de alegria para todos nós.
Aceita, senhorita, as homenagens mais cordiais desse que tem a honra em estar em total devoção.
Vosso mais humilde e obediente servidor.”
H.L.D. Rivail, Paris, dia 13 de agosto de 1831.
(Artigo original publicado no Jornal Correio Fraterno)