Santa Maria, o epicentro curador
Por Izabel Vitusso
A comunidade de Santa Maria não tem mais de 8 mil alqueires mineiros, mas é grande o suficiente para abrigar fatos importantes da história do Espiritismo e do passado político e cultural do Brasil. Prova disso é o bonito casarão do século 19 que ali se mantém perfeitamente conservado. Mas era o que os olhos não viam o que mais atraiu os olhares para aquelas terras cravadas no cerrado de Minas. O que fazia as pedras voarem, vozes surgirem do nada, tamboretes se espatifarem no espaço?
As estratégias energéticas de Santa Maria
É difícil no meio espírita encontrar alguém que não tenha ouvido referências à cidade de Sacramento e à Fazenda Santa Maria, em Minas Gerais. A primeira é berço de um dos principais nomes vinculados à doutrina espírita: Eurípedes Barsanulfo. A segunda, na extensão de Sacramento, tornou-se polo mediúnico e berço do Espiritismo no Brasil Central.
E ao que tudo indica, a região não fora escolhida a esmo para abrigar tarefa de tal importância na disseminação do Espiritismo.
Situada na região do Triângulo Mineiro, coleciona histórias de pessoas que para lá foram em busca da recuperação da saúde, principalmente espiritual, desde o século 19, quando as notícias sobre as curas realizadas por Eurípedes Barsanulfo vararam o Brasil, chegando até mesmo no exterior.
Segundo o livro Eurípedes, o espírito e o compromisso, ditado por Corina Novelino à médium Alzira Bessa Amui, Eurípedes projetou sua vinda a Sacramento, “onde há muito eram observadas as estratégias energéticas que imantavam essa região, porque assentada em alta carga vibratória, devido ao próprio ambiente físico das montanhas, vegetação, e onde a riqueza de águas no ambiente natural muito auxilia a atmosfera mental dos espíritos reencarnantes.”
Também o escritor Eduardo Monteiro conclui em sua obra Cem anos de Evangelho com Eurípedes Barsanulfo que “Santa Maria está entre a Terra e o Céu. A ciência moderna já consegue provar com sua tecnologia o que os druidas e outras civilizações sábias do passado já diziam: nossa Mãe Terra tem locais de alta concentração positiva de energia, os chamados “chacras” da Terra, onde as vibrações favorecem a saúde física e mental de pessoas e animais, e as iniciativas fluem mais promissas e com naturalidade. (...) A região de Sacramento é um desses chacras da Terra e que em Santa Maria encontra-se o seu epicentro.”
E é para lá que até hoje muitas pessoas se dirigem, buscando o refazimento físico e espiritual.
Os fenômenos mediúnicos
Seria difícil imaginar quantas pessoas se beneficiaram com os tratamentos espirituais realizados na Fazenda Santa Maria, muito antes de Eurípedes Barsanulfo conhecer o Espiritismo
Adolfo Ramos de Almeida é responsável pelo Albergue Sinhô Mariano e conviveu com o precursor dos fenômenos mediúnicos que se iniciaram na fazenda Santa Maria. Adolfo não conheceu outro trabalho: desde 1949 se dedica ao Albergue, hoje Recanto Sinhô Mariano, fundado para abrigar as pessoas que se dirigiam para a região, desde quando as notícias sobre curas começaram a se espalhar.
Natural de Santa Maria, que pertence à cidade de Conquista-MG, Adolfo Ramos é bisneto da irmã de dona Meca, mãe de Eurípedes Barsanulfo. Conhece fatos narrados pelos mais velhos e outros vividos por ele mesmo.
O senhor então conviveu com sr. Mariano da Cunha, que foi quem converteu Eurípedes para o Espiritismo. É isso?
Convivi muitos anos com tio Mariano da Cunha, e também com tia Meca. Ele desencarnou em 1949 e ela em 1952. Na época, ele trabalhava com fitoterapia, Depois passaram a comprar essência e fazer homeopatia. Bezerra de Menezes é quem ditava as receitas. Fazia um trabalho em equipe, com gente indo para mata buscar ervas para preparar os remédios. O que a gente sabe é que Eurípedes era um espírito elevadíssimo. Tio Sinhô [como chamam Sr. Mariano na região] falava para ele as coisas dos espíritos, mas ele não arredava o pé. Dizia que tudo aquilo era coisa do demônio. Mas Eurípedes gostava muito do Tio Sinhô, que em todo seu aniversário a gente ia pra lá cantar para ele. A gente convivia junto, os netos, filhos, todos.
Como surgiu o Albergue Sinhô Mariano
Tio sinhô começou a tratar pessoas obsidiadas, perturbadas, que vinham tomar passe. Vinham e acabavam ficando nas casas das pessoas que moravam aqui. Quando desencarnou, o filho mais velho, Ranulfo [Gonçalves da Cunha] é que ficou como responsável.
Cinco anos depois de quando Tio sinhô desencarnou, em 1949, é que o sr. José Sábio Garcia fundou o Albergue. Era um espanhol fugido da guerra. Trabalhava para os outros na fazenda. Casou-se e logo sua esposa ficou perturbada. Procurou tratamento em Santa Maria e aqui ficou. Foi aí que fui chamado para trabalhar. Eu tinha 19 anos e já vinha dormir aqui. Cada dia vinha um.
Eurípedes também dormia com os obsidiados que pousava no Colégio enquanto faziam o tratamento em Sacramento. Os espíritos davam trabalho para ele. E aqui?
Ih! Tinha noite que era uma barulheira! Mas era rezar e ter paciência, fazer leitura que passava.
Eurípedes fazia sessão de desobsessão em Sacramento, mas quando faleceu, acabou. Aqui já tinha começado antes e o trabalho continua. Mas de quatro anos para cá mudou a lei e o Albergue só pode ser pousada. Para ser um lugar de tratamento agora exigem que tenha médico 24 horas. Os doentes antes vinham e ficavam internados. E eram dos bravos.
Todos os que chegavam vinham muito mal. Se eu for te contar!!!
Muitas pessoas que chegavam nas delegacias e que ninguém dava conta, porque quebravam tudo, rasgavam roupa, a polícia já dava um jeito de encaminhar até aqui. E o que já foi realizado de cura nesses anos todos é uma coisa impressionante.
E histórias sobre o início dos fenômenos em Santa Maria?
Tem uma do Tio Sinhô, da época que ele era materialista que só ele. Ele montou uma venda, no tempo em que morava aqui perto em Engenheiro Lisboa. Um dia chegou uma pessoa na venda e pediu para ele guardar o seu facão, que quando voltasse da viagem pegava de volta. Tio Sinhô puxou a gaveta e guardou. Quando passado um tempo o dono do facão foi pedir de volta, o facão havia sumido. Tio Sinhô disse: O facão sumiu! Pode pôr preço que eu pago. O homem disse que não tinha preço, era de estimação. Tio Sinhô foi de volta em sua mesa e pensou: Será que eu vou ter que matar esse homem hoje? Se eu não matar, ele me mata! De repente sua mão começou a se mexer e a escrever com uma força estranha, que não era dele. Escreveu: “O facão está lá assim, assim....” (o facão havia sido tirado do lugar onde ele tinha guardado).
Aquilo que acontecia com o Tio Sinhô foi um chamamento para a mediunidade. Era manifestação mediúnica inconsciente.
O caso do dinheiro do fazendeiro
Certa vez um fazendeiro veio para a região comprar vara de porcos. Apeou na estação com dinheiro no bolso. Negociou e ficou de pagar na manhã seguinte, quando os porcos iam ser embarcados, no trem. Quando foi pernoitar, cadê o dinheiro do bolso? E era muito, porque não tinha cheques na época. O homem ficou desesperado. Falaram para ele vai na venda no Tio Sinhô. Ele acha as coisas perdidas. Nessas horas, quem não vai?
E lá foi a mão do Tio Sinhô a começar a mexer sem parar. E ele já dizia: Uh! Isso não tá em mim, não! Isso não tá em mim, não! E começava a escrever:
“Se pular o rego d’água vai ver um ramo assim, assim, está lá! Uma quantia menor a água levou.” O fazendeiro foi para lá e por sorte encontrou o dinheiro.
Depois Tio Sinhô encontrou Frederico Peiró. Era um dos poucos que tinha noção de Espiritismo na região. Logo Tio Sinhô muda para cá. Em Santa Maria tinham fenômenos mediúnicos demais. Ele chama sr. Frederico para vir na sua casa e começaram os trabalhos mediúnicos. Incrível o adiantamento espiritual de Bezerra de Menezes. Ele havia desencarnado em abril e em 20 de agosto do mesmo ano, de 1900, já estava ali orientando.
O que mudou então depois da nova lei?
“As pessoas que vêm não ficam mais internadas como antigamente. Hoje é uma casa de repouso, não internamos mais pessoas com distúrbios como antigamente. Entram e saem, passeiam, vivem em contato com a natureza, levam uma vida normal. Mas muitas pessoas, vindas até mesmo do exterior, que foram curadas aqui continuam vindo em busca do sossego, do contato com a natureza, as energias de Santa Maria. O Chico muitas vezes indicava: Vai para Santa Maria e lá você se cura! É por isso que eu digo, enquanto a gente puder, o trabalho do Recanto continua. (www.recantosinhomariano.org.br)
Pioneirismo no Brasil Central
Assim que Mariano da Cunha passou a morar em Santa Maria, estranhos fenômenos começaram a acontecer. Para a comunidade rural, o que acontecia eram “coisas do demônio”: pedras voavam sobre os telhados, vozes que não se sabia de onde vinham, assobios, médiuns tomados. Certa feita, um tamborete de propriedade de Mariano foi totalmente desmontado por um espírito, sem contato físico de ninguém. Mariano recorreu então a seu patrão, Frederico Peiró, para tentar solucionar o problema. Peiró e seu irmão Maximino Alonso vão a Santa Maria e diagnosticam a grande quantidade de médiuns entre os habitantes. Após algumas sessões, os fenômenos foram controlados e surge o núcleo de habitantes que dá sequência aos trabalhos mediúnicos, sob a orientação à distância de Peiró e Alonso. As reuniões eram realizadas nas casas dos moradores da fazenda, mas a profusão de médiuns de efeitos físicos ocasionavam situações inusitadas. Por esse motivo, sinhô Mariano e seu amigo inseparável Delfim Pereira de Araújo fundam na Fazenda o Centro Espírita Fé e Amor, em 28 de agosto de 1900, dirigidos hoje por sr. Aberlardo da Cunha, sobrinho do Sinhô Mariano, e sua mulher, Iola Ramos da Cunha.
Escravidão sem escravos
Antes da fundação de Sacramento, Cônego Hermógenes recebeu do Rei S. João VI a incumbência de demarcar sesmarias da região para serem entregues a quem se dispusesse a cultivá-las. Entre elas, havia uma da predileção de Hermógenes, muito bonita, que reservou a seu irmão, o padre Antonio Alves Portela e a denominou Santa Maria, por encontrar, ao demarcar as terras, um clarão marcado com cruzeiro e um altar a Maria. Antonio Alves apaixonou-se por uma escrava e dela teve um filho, Joaquim Gonçalves de São Roque, que recebeu estudos e ganhou notoriedade, na época. Casou-se e, com o tempo, criou uma comunidade rural inédita para a época. Sendo parente dos escravos, os protegia e permitia que junto a seus familiares, construíssem pequenas casas e vivessem na comunidade de lavoura de subsistência ao lado do trabalho que prestavam aos proprietários. Quando da libertação dos escravos em 1888, as outras fazendas importaram imigrantes. Fato não ocorrido em Santa Maria porque todos os escravos e descendentes não quiseram partir. Os filhos do Capitão São Roque e seus netos aprenderam a tratar os descendentes de escravos como parentes.
Foi o capitão São Roque o construtor do casarão da Fazenda Santa Maria, com o trabalho de seus parentes escravos. Com alicerce feito de pedra tapiocanga e madeira aroeira, o casarão se mantém em pé há mais de 150 anos, e abriga a sede do Instituto Leopoldina Geovana de Araújo, que oferece cursos profissionalizantes e evangelização.
Casa Assistencial Bezerra de Menezes
Em terreno doado por descendentes do Capitão São Roque, existe também em Santa Maria a Casa Assistencial Bezerra de Menezes, para atendimento a crianças especiais. Inaugurado em 1999, o projeto é a concretização de um dos sonhos acalentados por Heigorina Cunha, sobrinha de Eurípedes Barsanulfo. Conhecida no movimento espírita, pela manutenção, em Sacramento, dos trabalhos iniciados por Eurípedes, como a realização do Culto do Evangelho, diariamente às 9:00 horas, ela lutou por muitos anos para vencer a poliomielite que a acometera no primeiro ano de vida. Idealista, buscou recursos financeiros em doações com empresário que se identificou com a tarefa e viu seu sonho se realizar. Em agosto de 2006, inaugurou o terceiro dos quatro pavilhões previstos para a assistência às crianças, que já desfrutam de modernas instalações, incluindo parque aquático com piscinas aquecidas. Com capacidade para atender ao final do projeto 150 crianças, em regime semiaberto, hoje a Casa Assistencial atende a 31.
Corina Novelino, Eurípedes, o homem e a missão. IDE, 1979.
Alzira Bessa Amui, Eurípedes, o espírito e o compromisso. GEEC,1999.
Eduardo Carvalho Monteiro, Cem anos de Evangelho com Eurípedes Barsanulfo. CCDPE, 2005.
Jorge Rizzini. Eurípedes Barsanulfo, o apóstolo da caridade. Correio Fraterno, 2004.
(Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 413, jan./fev. 2007)