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Frederico Figner: em busca de sua própria luz

Por Rita Cirne*

Nós brasileiros temos o privilégio de ter grandes repórteres do mundo espiritual. Assim como André Luiz, Frederico Figner trouxe um testemunho único através da mediunidade de Chico Xavier. Em seu livro Voltei, escrito com o pseudônimo de Irmão Jacob e publicado em 1949 pela FEB, ele conta em detalhes como foi o seu desencarne, as dificuldades que encontrou para se desligar do corpo físico e se ajustar à vida nova. Figner cumpriu  sua promessa de relatar aos amigos que aqui deixou a sua adaptação no plano espiritual e não teve receio de expor os conflitos que enfrentou, mesmo sendo espírita e tendo se dedicado intensamente à divulgação da doutrina. 

O seu depoimento no livro é um alerta para nós. Humildemente, ele escreveu que não pretendia convencer ninguém, mas afirmou: “Não se acreditem quitados com a Lei, por haverem atendido a pequeninos deveres de solidariedade humana, nem se suponham habilitados ao paraíso, por receberem a manifesta proteção de um amigo espiritual! Ajudem a si mesmos no desempenho das obrigações evangélicas! Espiritismo não é somente a graça recebida, é também a necessidade de nos espiritualizarmos para as esferas superiores”.

Como entender as dificuldades de adaptação que ele diz ter enfrentado logo após o seu desencarne com a trajetória que teve na sua última encarnação? Pois esse trabalhador da seara espírita veio nos mostrar com o seu relato que o nosso processo de aprimoramento espiritual não para. Ele fez parte da Federação Espírita Brasileira (FEB) como vice-presidente, tesoureiro e membro do conselho fiscal. Viveu intensamente o amor ao próximo, mas reconheceu “não ter providenciado luz para ele mesmo”.

Ao comentar a vida de Frederico Figner no programa “Biografia” (FEBtv, de 19 de novembro de 20141), o diretor da FEB Carlos Campetti disse que com ele tudo era “pão, pão, pedra, pedra”. Era um homem emotivo, mas uma pessoa prática, objetiva. Quando tinha que falar, não mandava recado. Pela manhã, passava pela FEB, dava passes. Ao sair do trabalho, retornava à Federação para dar assistência às pessoas. Muitas vezes ia aos morros do Rio de Janeiro levar alimentos e medicamentos. Tinha por hábito dizer aos espíritos que acendessem a própria luz.

Sensibilizado com a situação de muitos artistas, que viviam em penúria na velhice, ele doou um terreno, em Jacarepaguá, no Rio, para a construção da instituição Retiro dos Artistas, que funciona até hoje.

 No programa citado, Campetti se emociona ao comentar o trecho do livro em que Figner percebe já ter desenvolvido a sua luz. No seu entender, seria ele um judeu reconciliado com Cristo: “Pôde compreender o papel de Jesus e conseguiu interiorizar essa proposta e iluminar a si mesmo”. 

Sua luta começou na Tchecoslováquia, onde nasceu em dezembro de 1866. De família muito pobre, com apenas 16 anos decidiu migrar para os Estados Unidos para ajudar a quitar as dívidas de seus pais e a ter recurso para os dotes de suas irmãs, uma necessidade para que elas pudessem se casar, segundo os costumes da época. Nos Estados Unidos, adquiriu um dos fonógrafos que estavam sendo lançados por Thomas Edison, e veio para o Brasil. Oferecia a novidade nas praças, permitindo que as pessoas gravassem e ouvissem a própria voz. Ganhou dinheiro com essa atividade viajando pelo Brasil, Uruguai e Argentina. Assim, conseguiu montar no Rio de Janeiro a Casa Edison para vender fonógrafos, começando a fazer gravações de artistas brasileiros no início do século 20. Figner acabou criando uma indústria de produção de discos, surgindo assim a marca Odeon, que ficou famosa no Brasil. 

Com seu espírito empreendedor, construiu uma vida próspera. Casou-se e teve seis filhos. Sua esposa Esther e ele já eram espíritas quando a sua filha mais velha, Rachel, desencarnou. Eles ouviram falar da médium de efeitos físicos Ana Prado, de Belém do Pará, e foram até ela em busca de alguma comunicação com a filha. Tiveram sucesso nessa empreitada e o que sucedeu naquelas sessões no Pará foi relatado no livro O trabalho dos mortos, de Nogueira de Faria, lançado pela FEB em 1921.

A sua jornada terrena se encerrou em 19 de janeiro de 1947, com 80 anos. Segundo informa a Federação Espírita do Paraná, ao se abrir seu testamento, verificou-se que ele havia destinado parte substancial dos seus bens às obras sociais de Francisco Cândido Xavier. E, na espiritualidade, uma nova seara de serviços se abria para ele, que estava preparado para o desafio.

 “Se a experiência carnal amadurece e passa, a vida prossegue e a luta continua”, deixa ele registrado logo na introdução da sua conhecida obra Voltei.

  1. Link do programa: https://www.youtube.com/watch?v=jidlMXTd-w0

Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra e do jornal Valor Econômico

Curiosidades

  • No livro Voltei, Figner narra seu encontro com Thomas Edison na espiritualidade: “Vi Edson em pessoa. Tamanha luminosidade lhe coroava a cabeça veneranda, que tive ímpetos de ajoelhar-me. Avancei para ele, perturbado de júbilo, e quis beijar-lhe as mãos. O inolvidável benfeitor abraçou-me, de encontro ao peito, e, esquivando-se às minhas homenagens, recordou os últimos anos do século passado, reportando-se ao fonógrafo, cuja vulgarização tive o prazer de acompanhar”.

  • O vídeo do jornalista e historiador Thiago Gomide, no canal “Tá na História“ mostra a mansão que pertenceu a Frederico Figner na rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, em 1912. Gomide afirma que Figner foi fundamental para o desenvolvimento da indústria fonográfica no Brasil ao divulgar o fonógrafo inventado por Thomas Edison e ao criar a Casa Edison, no centro do Rio, a primeira gravadora da América Latina. Já a sua Mansão no Flamengo foi tombada em 1995. Adquirida pelo Sesc-Rio de Janeiro, foi restaurada e hoje abriga uma unidade dessa instituição.