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Como chegaram os primeiros livros espíritas em Uberlândia

Foto de 1920, em uma das principais praças da cidade de Uberlândia - MG

Diversos estudos realizados por historiadores apontam que, mesmo antes da publicação de O Livro dos Espíritos, em 1857, pelo codificador Allan Kardec, dois homeopatas que vieram para o Brasil em 1840, o francês Bento Mure e o português João Vicente Martins, já aplicavam passes em seus pacientes. Há relatos também de que em 1853, no Rio de Janeiro, já se realizavam reuniões espíritas na farmácia do homeopata e historiador Dr. Mello Morais, com a participação de Marquês de Olinda e o Visconde de Uberaba, figuras de destaques no Império. Quanto mais a curiosidade aguça, mais peças do grande quebra-cabeças vão aparecendo, tornando presente o passado distante da história do Espiritismo no Brasil. 

Contando causos

Gustavo José da Silva

Subindo um pouco mais no mapa, a amizade entre um coronel do povoado de São Pedro de Uberabinha (hoje Uberlândia-MG) e um comerciante da cidade de Monte Alegre de Minas foi uma das portas de entrada do Espiritismo na região do Triângulo Mineiro. Nascido em Piunhi-MG, em 1847, José Joaquim da Silva, morava já em Uberabinha e freqüentemente visitava o comerciante Antônio Alexandre Vilela – um antepassado da família Vilela, conhecida pela contribuição que deixou no desenvolvimento da região. Vilela assinava o jornal diário O Paiz, editado no Rio de Janeiro que, a partir de 1887, passou a publicar a coluna Estudos filosóficos, escrita pelo Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, que a assinava com o pseudônimo Max. Lendo-a, o velho comerciante tornou-se adepto e fervoroso propagandista da doutrina, passando a visitar a periferia, levando auxílio material e consolo. Muitos diziam que o Vilela havia enlouquecido, depois que se “envolveu” com o Espiritismo. “Ele passou a dar aos outros a sua fortuna e pregando a absurda utopia da volta do espírito em outra vida, com outro corpo.”-criticavam.

Isso é o que revelam os manuscritos de Gustavo José da Silva1, um dos 13 filhos do coronel José Joaquim, que vem a fundar em 1913 a primeira casa espírita da cidade de Uberlândia, o Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade. 

“Quando papai ia a Monte Alegre, os dois passavam horas juntos em palestras. O sr. Vilela contava casos interessantes e aconselhava-o a comprar os livros e estudar, pois o Espiritismo viria dominar o mundo e regenerar a humanidade. Em 1900, através do próprio Sr. Vilela, papai comprou Roma e o Evangelho e Memórias do Padre Germano2, os primeiros livros espíritas a entrarem em nossa casa”.

Hábitos do século 19 

 O coronel tinha um hábito depois do jantar. Reunidos, o casal e seis filhos, oravam e liam em família. 

“Durante o dia, todos desempenhavam suas obrigações no trabalho da agricultura… Minha mãe e irmãs faziam todos os trabalhos domésticos pertinentes a uma casa de campo. Elas fiavam o algodão e a lã dos carneiros, teciam panos finos para fazer as roupas da família. Tramavam colchas com lãs de diversas cores, formando os mais lindos desenhos no próprio tecido. As tintas eram fabricadas em casa, extraindo suco de várias ervas vegetais e duráveis que permaneciam firmes até o pano acabar.

Na foto acima, os freqüentadores do primeiro Centro de Uberlândia posam para a foto, em 1928, e fazem história. Ao lado, Gustavo José da Silva

 Não havia passeios nem diversões. A iluminação era fornecida por candeias bem providas de pavio de algodão e óleo de mamona, fabricados em casa. Enquanto mamãe e minhas irmãs fiavam e costuravam, um dos meus irmãos fazia, em voz alta, a leitura dos livros e todos ouviam atenciosamente. Além da leitura, eram feitos comentários e trocas de idéias, como se faz hoje nos cultos de Evangelho nos lares.

Papai tinha o capricho de rebuscar em sua velha Bíblia, e conferir, os capítulos dos Evangelistas, indicados nos livros espíritas. Eu, embora muito pouco houvesse aprendido em leitura, gostava de ouvir os outros lerem. Foi assim que quando alcancei a idade de quinze anos, já tinha uma noção clara do Espiritismo. 

Também havia muitas histórias envolvendo o Espiritismo, vindas da casa do compadre Antônio Hermeto, fazendeiro vizinho e amigo da família.

(…) Ele possuía uma botica homeopática e tratava com muito carinho e bons resultados os doentes da região. Quando surgia alguma enfermidade, corria-se até lá levando informação, dois vidros bem lavados que o Sr. Antônio Hermeto colocava gotas de homeopatia que curavam mesmo. Tudo gratuitamente. Esse cavalheiro, já naqueles recuados anos, estudava os livros espíritas e mantinha relações com centros espíritas de São Paulo, de onde recebia uma revista: Verdade e Luz3 e fazia entusiasticamente propaganda do Espiritismo. Sempre que papai ia a sua casa, Sr. Hermeto tinha um caso novo para lhe contar”. 

Um deles diz respeito ao médium sr. Chico Pinto, tido como o primeiro trabalhador na cidade a fazer uso da mediunidade de cura em benefício da comunidade. 

1- Gustavo José da Silva nasceu em 1890 e desencarnou em 1982, em Uberlândia. Os registros manuscritos que deixou não se encontram datados.

2- Roma e o Evangelho, de J.A. Y. Pellicer e Memórias do Padre Germano, de Amalia D. Soller.

3- Periódico espírita fundado em 1890 por Batuíra.

4- Bibliografias: Terra Fértil, semente plantada - A história do Espiritismo em Uberlândia, Izabel Vitusso, AME-Uberlândia. Memória Espírita- Papéis velhos e histórias de luz, João Marcos Weguelin, Ed. Léon Denis.

Izabel Vitusso

Publicado no jornal Correio Fraterno em jan./fev. de 2008.