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Anchieta, Paulo e Nóbrega: união espiritual na fundação de São Paulo

Por Izabel Vitusso

Acredito que a maioria de nós, ao ouvir referências sobre a história do cristianismo, lembre-se das figuras que participaram dos encontros e perseguições entre os que se tornavam adeptos do Cristo e os seguidores do judaísmo. Paulo de Tarso, o convertido de Damasco, e o senador romano Públio Lêntulus estão entre eles.

O mesmo acontece quando estudamos a história da colonização brasileira: José de Anchieta surge embrenhando-se entre os índios, com seu semblante pacífico e introspectivo.

Mas difícil é imaginar que esses três personagens da história da civilização estejam ligados à fundação da cidade de São Paulo, que em janeiro completou 457 anos.

Emmanuel, segundo o médium Chico Xavier, no tempo de Jesus, foi o senador romano Públio Lêntulus. Encarnado no Brasil, como padre Manoel da Nóbrega, participou ativamente do processo de colonização do País e também da fundação da cidade de São Paulo. 

Ao celebrar a primeira missa na manhã de 29 de agosto de 1553, onde hoje é o Pátio do Colégio, centro de São Paulo, recebeu a visita do espírito Paulo de Tarso, que lhe pediu que, em nome de Jesus, no local que lhe apontava fosse erguida uma cidade baseada nas colunas do cristianismo: amor, fé, trabalho e instrução. Em cinco meses, o Real Colégio de Piratininga já se revelava no planalto. 

Impressionado com a visão que tivera de Paulo de Tarso, Nóbrega escolheu o dia 25 de janeiro de 1554 para a inauguração da obra, a data tida como da conversão de Saulo de Tarso ao cristianismo primitivo. 

Manoel da Nóbrega não foi somente a alma da missão dos jesuítas do Brasil, onde chegara em 1549. Ele se destacou como político e conselheiro do governador-geral da colônia, Mem de Sá. Foi ele também quem teceu os primeiros contornos políticos e geográficos da nação, com o trabalho de disseminação do cristianismo pelo litoral brasileiro. 

Segundo consta Nóbrega era gago, mas nem por isso deixou-se abater, tendo sido o primeiro a realizar sermões, no Brasil, defendendo a libertação dos escravos. 

Diferente da visão estrategista de Nóbrega, seu companheiro no trabalho da colonização, padre José de Anchieta, trazia características mais acentuadas para a educação. E foi por isso que Manoel da Nóbrega entregou-lhe a missão de ministrar as lições de Humanidades no Colégio São Paulo. Gozava do respeito dos padres jesuítas, por sua grande espiritualidade. Ainda jovem, em Portugal, José de Anchieta foi aconselhado a vir para o Brasil, numa tentativa de recuperação de sua saúde. 

Impressionou-se ao chegar aqui e ver o que conta em carta: “onças pintadas, boas de se comer, lagartos enormes do tamanho a poder comer um homem, que se chamam jacarés...”

Desde o primeiro contato como os índios, obteve a admiração, aprendendo a língua nativa, ensinando a língua portuguesa e, acima de tudo, respeitando a cultura indígena, incluindo o hábito de não se vestirem e de devorarem os seus prisioneiros. 

Entendia que estava diante de seus irmãos, merecedores de respeito. E não mudou de ideia mesmo quando se ofereceu para ficar no lugar de padre Manoel da Nóbrega, pego como refém, pelos bravos índios tamoios, que viviam onde hoje está a cidade do litoral norte paulista, Ubatuba. Mais velho, Nóbrega estava muito doente. 

Durante dois meses, passou frio e humilhações e recebeu ameaças de morte. Mas aos poucos sua mansuetude fez com que as ameaças que recebia inicialmente da tribo cedessem lugar à admiração. Quando os índios o ameaçavam de devorá-lo, Anchieta respondia que ainda não havia chegado o momento. Não havia terminado o poema à Maria, cujos versos escrevia na areia. Alguns relatos dão conta de que sua facilidade em levitar e sua proximidade com os pássaros também teriam causado grande admiração nos índios, que acabaram libertando-o.

Quando desencarnou em 1597, com 63 anos, José de Anchieta havia conseguido mais do que a admiração dos portugueses e nativos brasileiros. Deixou marcas e exemplos como de tantos que fazem a história do País e ajudam a fortalecer as fronteiras do amor, da fraternidade e da paz.


José Freitas Nobre, Anchieta, apóstolo do novo mundo. Ed. Mestre Jou, 1974.

Diário do Comércio, Minhas cartas, por José de Anchieta. (editadas por ocasião dos 450 anos de fundação de São Paulo).