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Anália Franco e a dignidade pela educação

Por Rita Cirne*

Quem dentre nós já não se perguntou qual é a nossa missão nessa encarnação? Mas enquanto buscamos respostas, podemos nos inspirar em grandes espíritos missionários que souberam agir de acordo com os seus ideais e deixaram um legado de amor e fraternidade. Esse é o caso de Anália Franco, admirada no meio espírita, mas pouco lembrada fora dele.

Nascida no estado do Rio de Janeiro, em 1 de fevereiro de 1853, poderia ter fincado raízes em Resende, sua cidade natal, onde teve oportunidade de estudar e se formar professora. Mas preferiu lançar sementes de amor e sabedoria, fundando instituições de ensino e abrigos em várias cidades do Brasil com o objetivo de cuidar de pessoas em situação de fragilidade social, especialmente crianças e mulheres sem instrução.

Quando faltavam recursos, ela não tinha receio de ir às ruas pedir ajuda para manter as instituições. Também soube defender seus ideais e conquistar a confiança de abolicionistas e republicanos no Brasil do século 19.

O resultado desse trabalho é inegável: fundou 71 escolas, dois albergues, uma colônia regeneradora para mulheres, 23 asilos para crianças órfãos, uma banda musical feminina, uma orquestra, um grupo de teatro e oficinas de artesanato. Atuou em 24 cidades do interior do Brasil e nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. Não por acaso foi chamada pelo escritor Eduardo Carvalho Monteiro de “a grande dama da educação brasileira”.

Enfrentando o preconceito

Sua preocupação com a educação e sua visão de que através do ensino seria possível mudar a vida das pessoas deram-lhe forças para enfrentar preconceitos e perseguições de que fora vítima. Uma de suas primeiras lutas ocorreu depois da promulgação da Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, que tornava livres os filhos de escravas nascidos a partir de então, mas estes permaneceriam em poder dos senhores até os oito anos, o que levou grande parte deles ao sofrimento pelos descasos e maus-tratos.

Sabendo de tal fato, Anália Franco pediu transferência de seu trabalho de professora na capital de São Paulo e partiu para o interior do Estado, onde instituiu uma escola maternal que funcionava também como abrigo. O sucesso dessa empreitada fez com que ela passasse a administração do local para outras pessoas e viajasse pelo país para fundar outras instituições.

Visão de futuro

Para manter tais escolas, juntamente com um grupo de vinte mulheres, fundou, em 1901, a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, com sede no Largo do Arouche, em São Paulo. Ali, o grupo de colaboradoras fazia artesanatos de todo tipo para serem comercializados no bazar da Associação e em eventos que ajudavam a manter as obras.

Alavancada pelos recursos, Anália foi além, criando ainda mais escolas, creches, bibliotecas, oficinas profissionalizantes e asilos.

Em uma dessas fundações nasceu a Colônia Regeneradora Dom Romualdo, que serviu de internato para menores e também retirou mulheres da prostituição, acolhendo-as e dando-lhes vida digna. Ali os internos podiam trabalhar na lavoura e em horticultura.

Identificação com o espiritismo e desencarne

Embora tenha se tornado espírita, após ter entrado em contato com a doutrina para fazer um tratamento para a cegueira temporária que sofreu entre em 1897 e 1898, Anália Franco não atribuía caráter religioso em seus projetos. Ela defendia a liberdade e tolerância e atendia em suas instituições mulheres e crianças de todas as religiões.

Em 1906, aos 53 anos, Anália se casou com o espírita atuante, Antônio Bastos, um período em que aumentou a sua produção literária. Escreveu contos, poesias, matérias para jornais e revistas, e publicou três romances: Égide materna, A filha adotiva e A filha do artista, além de peças teatrais que eram encenadas por seu grupo teatral.

Sempre ativa, ela desencarnou em 20 de janeiro de 1919, em São Paulo, aos 66 anos, vítima da gripe espanhola, no momento em que havia decidido fundar no Rio de Janeiro o Asilo Anália Franco, ideia concretizada posteriormente por seu marido.

 “A verdadeira caridade não é acolher o desprotegido, mas promover a sua capacidade de se libertar”: assim acreditava a dama da educação e para isso trabalhou, sendo para muitos uma grande inspiração.

 

Bibliografia

Grandes espíritas do Brasil, Zêus Wantuil, FEB.

Grandes vultos do espiritismo, Paulo Alves Godoy, FEESP

FebTV  “Sheila Costa fala sobre Anália Franco”. FEB.

 

*Jornalista, colaboradora do Grupo Espírita Batuíra e do jornal Valor Econômico.

Curiosidades

Pelo período de 15 anos, Anália dirigiu a revista A Voz Maternal, fundada por ela em 1903. Era impressa por um grupo de mulheres e chegou a ter a tiragem mensal de 6.000 exemplares. Nas páginas desse periódico ela não se cansava de falar às mulheres, despertando‐lhes o interesse para as questões sociais, principalmente para a necessidade da alfabetização e de educação da criança.