Correio.news

View Original

A desafiadora proposta de São Marcos

Por  Astrid Sayegh*

Nossa ligação com Portugal vem de muito longe. De lá partiram o descobridor da terra do cruzeiro e muitos outros missionários lusitanos desde então cruzaram os oceanos. Nesse intercâmbio magnífico entre países irmãos estreitaram-se laços, amizade e o amor por esta terra encantadora chamada Brasil. Em pleno século 20, ganhamos mais um presente de Ilhavo, seu nome: Manoel Pelicas São Marcos, nascido em 24 de novembro de 1909.

A música
Violonista, em 1978 São Marcos funda a Camerata Violonística de São Paulo, uma das suas grandes paixões, que apresentou-se pela primeira vez em público em 1980. Em 1986 seu projeto assumiria personalidade jurídica como associação cultural.
Seu talento foi reconhecido em forma de inúmeros troféus, como o da Ordem dos Músicos do Brasil (1981) e da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA, que premiou a Camerata Violonística como o melhor conjunto instrumental de 1984.
"É motivo de orgulho para mim ter participado desde o início desta empreitada, tanto como violonista, organizador da entidade, como promotor de eventos ao longo de 28 anos", avalia Paulo Bastos Lacerda, hoje responsável pelo grupo musical.

A filosofia
O Professor São Marcos, como já era carinhosamente chamado pelos alunos de música, passou a integrar a Federação Espírita do Estado de São Paulo em 1950, assumindo a direção do departamento editorial e administrativo, a livraria e procedendo à edição do jornal O Semeador. Alguns anos depois passou a dirigir o departamento de ensino, empenhando-se até o seu desencarne, em 13 de novembro de 2004, no processo didático-pedagógico à frente das aulas de Filosofia Espírita. Também foi conselheiro da FEESP e diretor do curso de expositores.

Em 1986, Manoel São Marcos empreendeu seus esforços em pesquisas para fundamentar a parte filosófica do curso Introdução ao Conhecimento do Espiritismo. Um ano depois, seus estudos e observações culminaram na formulação de uma apostila específica. Nascia assim o Curso de Filosofia, inaugurando os cursos sistematizados de Filosofia Espírita na Federação Espírita do Estado de São Paulo. Escreveu a apostila denominada Noções de história da filosofia e editou os livros-textos Filosofia espírita e seus temas, vols. I e II, trazendo reflexões importantes sobre assuntos palpitantes, como a realidade existencial, a reencarnação, a mediunidade, os princípios inteligência e matéria, a evolução das formas biológicas, o caminhar do ser metafísico, o espírito. Repensou a história do pensamento humano e enalteceu a obra de Léon Denis, Humberto Mariotti e Herculano Pires para analisar o aspecto filosófico do espiritismo, trazido por Allan Kardec na codificação como caminho libertador para o encontro da religiosidade em espírito e verdade tão destacada e vivenciada por Jesus.

Hoje os cursos criados pelo Professor São Marcos continuam sendo ministrados no IEEF - Instituto Espírita de Estudos Filosóficos, instituição que tem como meta exaltar a sua obra, estudando e divulgando a doutrina dos espíritos, que teve nesse educador amoroso e idealista um verdadeiro mestre da Filosofia Espírita.


A trajetória de Manoel Pelicas São Marcos enfocou a prioridade do conhecimento para a libertação do ser e a ratificação dos ensinamentos de Jesus. "O conhecimento – dizia ele – não ocupa espaço e amplia os limites do ser. Repensar o pensamento já pensado é um caminho para a solidificação do conhecimento."
Por sua familiaridade com a música, buscou muitas vezes comparações para a compreensão da própria filosofia espírita, "um instrumento musical maravilhoso que temos à mão, mas que não sabemos tocar; olhamo-lo com enlevo, como a um amor que nunca se realizou em definitivo. Não temos o condão que o faz vibrar, que o faz transformar-se em infinitas melodias, em perene encantamento. Só temos uma imensa e grande vontade! E isso é o quanto basta e chega para começar", incentivava.


Salientando em seus textos o valor do saber filosófico, São Marcos convida a um esforço válido para novas descobertas. "A filosofia é o meio, o processo único que ilumina a ignorância e a transforma em relativa sabedoria, mas só em íntima convivência com ela mesma, vivendo-a abundantemente, é que se pode conhecê-la", ensina.
Espírito de vanguarda, Manoel São Marcos soube articular a Filosofia Espírita com brilhantismo e substancialidade. Que possa sua obra ser considerada no universo espírita como fonte fecunda de reflexões sobre esta farta temática. Ele soube conciliar um rico conteúdo em um conjunto harmônico, que consola, convida à reflexão e à liberdade de pensamento para saciar a nossa sede de verdade e de transcendência.

  

* Filósofa e coordenadora do IEEF - Instituto Espírita de Estudos Filosóficos.

O texto contou com a colaboração e pesquisa das alunas Sissi Costa e Vitória Lopes da Silva.

(Texto publicado no jornal Correio Fraterno - edição 450 março/abril 2013)